sábado, junho 07, 2014

A morte do grão

Odeio helicópteros. Mas a culpa não é deles.

Aliás, ninguém tem culpa. A morte é como o nascimento. Talvez, sejam até a mesma coisa, de perspectivas diferentes. É algo que ocorre, assim como chove ou anoitece.

Mas, ainda assim, arde a vontade de buscar motivos, razões, justificativas, alento. E então perguntamos instintivamente: por quê, Fernandão? Mas sei que esta pergunta é vã, pois não há resposta que possa calar a dor no peito da grande família vermelha. Então desisto da pergunta e passo a olhar para sua história e a de nosso clube.

Sua passagem pelo Inter marcou indelevelmente duas almas que há muito ansiavam por seu apogeu: a sua, Fernandão, e a do nosso clube, o Internacional. Talvez seja um excesso de possessividade colorada, mas nem o Inter, nem você, foram os mesmos depois de 2006. Nunca o Inter foi tão afetado por um jogador e não me lembro de um jogador que tenha sido tão afetado por um clube.

Foi um encontro de almas gêmeas, cuja energia represada pôde enfim encontrar vazão, numa simbiose esplêndida.

Tais encontros, no entanto, costumam custar caro.

Vivia em ambos a aura do "campeão de tudo", a ressonância da intensa relação vivida. Mas a aura por si não satisfaz. Aliás, nada mais satisfaz. E, na ânsia de reviver a história, você e o clube persistiram numa luta ferrenha para se agarrar a qualquer mínimo resquício do que passou, indo inclusive contra o próprio bom senso e intuição, o que culminou na sua desastrosa passagem como treinador.

Nem você, nem o Inter, Fernandão, poderiam reviver seu apogeu. Vocês sabiam disso e isso doía, machucava. Depois de 2006, a verdade é que apesar de algumas conquistas importantes, como que "ecos" da grande explosão, nem você, nem o Inter pareciam capazes de superar o vazio que pouco a pouco se instalou.

Enquanto você vivesse, capitão, essa eterna expectativa de um reencontro iria pairar sobre todos nós. A aura do "campeão de tudo" pairaria sobre você e sobre o Inter, impedindo que novos encontros pudessem ocorrer em sua plenitude e ser vividos intensamente. Desde 2006 um sentimento de que "falta algo" sempre nos acompanha. Era preciso morrer o grão, Fernandão, o grão maior, para que o trigo pudesse nascer.

Agora vejo que sua passagem pelo Inter marcou o encerramento de um ciclo, mas ambos se negavam a deixá-lo se fechar. Mas como, se eram almas gêmeas? Como simplesmente despedirem-se um do outro, entregando sua outra metade ao desconhecido?

Não havia como, capitão. E então você se foi. Enfim, o ciclo se fechou, à força. Não poderia ser sem dor e não será. Viveremos essa dor, para amanhã buscar o céu novamente, romper a terra, crescer. Não sei se o Inter será campeão brasileiro depois de sua perda. Certamente, haverá quem espere e cobre isto até como um alento para sua partida. Há que se compreender, se isso acontecer.

Mais importante do que a obrigação, entretanto, Fernandão, é a liberdade. Agora, o Inter pode sonhar com um novo apogeu. Pode deixar para trás a aura de "campeão de tudo", se libertar do peso destas três palavras e voar alto. Agora o Inter pode viver com toda a plenitude este encontro espiritual com nosso atual capitão, Dalessandro. Sim, pois este é um encontro que ainda não explodiu em plenitude, aprisionado que estava sob a sombra do encontro contigo.

Está na hora de rompermos o solo, sabedores do grão (campeão de tudo) que fomos, mas cientes de que uma nova existência se inicia, onde os desafios serão outros, onde uma reinvenção nos aguarda.

Sejamos agora o trigo, que nada venceu ainda nesta nova existência. Finquemos fundo nossas raízes e busquemos o céu!

Me despeço e desejo que descanse em paz aí em cima, saudoso capitão.

Aqui embaixo, a peleia começa novamente.


Dá-lhe, Fernandão! Vamo Inter!