Vida que não mudava, claro, pois Afonso não era capaz de aceitar a realidade, sua e da sociedade. Afonso faz parte daqueles que esperam por uma intervenção divina, que mude tudo do dia para a noite. Ele acredita em milagres e sofre justamente porque eles nunca chegam em sua vida. Amigos já lhe disseram inúmeras vezes para ele relaxar, pra deixar de ser ranzinza, mas não adiantava. Afonso até começava a se sentir diferente após sentar com os amigos e tomar alguns goles de cerveja.
Era estranho. Ele não entendia bem aquele estado de espírito que lhe invadia, diminuindo seus batimentos cardíacos, relaxando sua musculatura sempre tensa. Ele até parava de balançar nervosamente suas pernas, como fazia o tempo todo. Então, nessas horas, Afonso se assustava com o vazio que lhe invadia. De repente todo aquele pessimismo parecia se desvanecer, levando com ele aquela angústia de pensar em tudo de ruim que existia. Mas no vazio que se criava emergia agora a angústia de não pensar em nada. Afonso era incapaz de aceitar esse estado manso de espírito, tão habituado estava ao outro.
E, nessa altura do campeonato, que até nem era tão alta, pois normalmente ele ainda estava no segundo ou terceiro copo, Afonso se levantava, dizia aos amigos que tinha que voltar logo pra casa, pois mais que o trânsito ele odiava ouvir qualquer encheção de saco da mulher. Mas, a verdade, é que Afonso queria voltar logo para seu pessimismo habitual. Ali ele se sentia em casa, ali estava a sua verdade. Mas ele queria ser feliz: "algum dia, há de acontecer um milagre e esse mundo vai se tornar algo decente", pensava e aguardava.
---
Esse texto é para nós aqui do blog, pessoal. O Afonso "somos nós". Eu poderia argumentar com vocês em defesa da necessidade de calma e tempo para que Dunga et al corrijam tudo que precisa ser corrigido e identifiquem com exatidão as peças do time que precisam ser substituídas. Mas tenho certeza que todos vocês, assim como eu, compreendem isso razoavelmente bem. O problema é que estamos habituados demais a reclamar (não sem razão, é claro), dada a longa fase de má gestão que passamos. Mas agora é diferente. Temos uma comissão técnica na qual podemos confiar. Repito: podemos confiar nessa comissão técnica. Portanto, vamos parar de reclamar e vamos analisar friamente a evolução do time e do trabalho do Dunga. A realidade do time é essa aí, com problemas sérios mesmo. Não adianta a gente se negar a ver ou, pior, ver, mas gritar por um milagre que resolva tudo em um passe de mágica.
Calma, calma e calma.