terça-feira, dezembro 16, 2008

45 O Gol Impessoal

45
Era uma vez um grupo de jovens que queria jogar futebol. Não eram pessoas conhecidas, não detinham grandes posses nem possuíam sobrenomes importantes. Eram vindos de diferentes lugares, tinham diferentes etnias e, provavelmente, diferentes credos também. Nada disso importava. Eles só queriam jogar bola.

Mas há cem anos, só querer jogar não bastava. Um “Zé Ninguém” não era aceito em determinadas associações, em certos clubes. Primeiro, era preciso fazer seu nome. Não jogando bola, mas perante a aristocracia provinciana do início do século XX.

Só que aquele grupo de jovens continuava querendo jogar bola e, já que não tinham nomes, já que não eram aceitos, resolveram fundar o seu próprio clube, fazer o seu próprio time. Surgia um clube popular, um clube plural, um clube impessoal. Surgia o Internacional!

No início, apanharam em campo, apanharam na bola! Mas como por estes pagos é preciso ter virtude, suas derrotas lhes dava ainda mais força, ainda mais vontade de seguir, de continuar jogando. Até que um dia, venceram a primeira. Mas não era o bastante.

Mas quem não nasce em berço de ouro dificilmente é reconhecido por quem lhe discrimina por sua origem. Ainda na primeira metade do século passado, mesmo superiores em campo, superiores na bola, colorados continuavam sendo discriminados. Então não só pela origem de seus fundadores, mas pela identificação com uma classe social menos privilegiada e, é claro, pela cor da pele de seus jogadores e aficionados. Qual colorado nunca ouviu algum insulto de conotação preconceituosa relacionado a essa identificação?

Contudo, a virtude também está em não guardar rancor de quem nos menospreza, de quem nos subestima. Não quero ser melhor, não quero ser maior, só quero ser eu mesmo, saber quem sou e ter orgulho disso!

Negro, branco, índio ou amarelo. Mulato, mameluco, cafuzo ou sarará. Cristão, muçulmano, budista ou judeu, sei lá eu. Deus que me perdoe, mas até ateu. Comunista, capitalista, socialista ou liberal. Revolucionário, oficialista, marxista ou liberal. Tanto faz. Sentados à beira do Guaíba, são todos iguais, torcendo para o alvi-rubro internacional.

Eis que, diante de tamanha diversidade, diante da quase impossível tarefa de se personificar o colorado na imagem de um único ser humano, surge, lá pela metade do segundo tempo do jogo mais importante da história do clube, aquele encarnaria como poucos o sentido tão amplo e profundo daquilo que, ao longo desses quase cem anos, significa ser colorado.

Adriano, nome de imperador! Mas no Inter, isso não faria o menor sentido. Nosso Adriano é Gabiru, um rato que vive no lixo! Um apelido pejorativo que lhe foi dado no início da carreira, por ser alguém que nasceu na adversidade, vindo de longe, sem um nome importante, muito menos posses que lhe conferissem algum título. Pois foi esse homem renegado, desacreditado, o autor do gol mais importante da história do Sport Club Internacional. E a história não poderia ter sido mais perfeita.

Porque o gol da conquista mais importante da história do Clube do Povo do Rio Grande do Sul, do time dos rejeitados, do time dos discriminados, do time dos subjugados, não poderia ser personificado na imagem de alguém previamente festejado, amado e idolatrado como se fosse um deus grego.

O gol do título mundial do Inter tinha que pertencer ao clube, à sua história, à sua gênese, a todos os colorados, desde o primeiro até o que acaba de nascer em algum canto deste planeta.

O gol do Gabiru é o gol mais colorado da vida do Sport Club Internacional. É o gol do Inter na sua mais pura essência, na sua mais perfeita definição. É o gol de todos, é o gol do povo, é o gol que não pode pertencer a um só. É o gol impessoal!

Amanhã, esse gol completará dois anos. Pois é assim que eu me recordo dele, e é assim, que dele me lembrarei, pelo resto da minha vida! Gol do Gabiru, o gol de todos os colorados!