sexta-feira, outubro 18, 2013

Biografias não autorizadas

Esse é um assunto que vira e mexe eu tenho tocado nesses anos de BV. Ontem por acaso dei uma olhada nas noticias de O Globo e vi que o assunto está em debate no Brasil. Que bom.

Eu mencionei isso uns tempos atras não sei se nos textos principais ou se em comentarios, mas sempre achei um absurdo censurarem livros no Brasil no ponto de não permitirem ser vendidos se não for autorizado. Isso só ajuda os corruptos que não tem que se preocupar com algum autor contando todas suas trapassas.  Outra loucura é ter que pagar o biografado ou sua familia por contar sua historia (sem autorização). Foi assim com Garrincha. Um autor escreveu o livro a Estrela Solitária e foi processado por alguns familiares do já morta a 30 anos Garrincha. Teve que pagar pro livro voltar as lojas. Como disse o autor, porque familiares tem copyright sobre a história de uma pessoa contada por outra pessoa em formato de livro. Será que parentescos do Hitler deveriam receber grana por cada um dos livros escritos sobre ele? O copyright é do autor do Livro. É bem diferente do que pegar uma musica de um cantor e regrava-la sem autorização. Isso aqui nos EUA não existe. Se eu escrever amanha um livro sobre seja lá quem for eu não devo a ele e muito menos sua familia um centavo. Mas o pior é o livro nem poder ser publicado...isso é censura total. Se o sujeito do livro discordar com a matéria ele pode processar o autor...simples. Tanto que aqui nos States deve sair 100 biografias não autorizadas e raramente leio algo sobre um processo depois por calunia. Isso porque a maioria (nem todas mas a maioria) das Biografias não autorizadas enquanto contam sujeiras do sujeito...as sujeiras não são mentiras. Alem disso o proprio povo tem que saber filtrar o que lê e entender que nem tudo que se lê é verdade. Mas proibir que seja escrito um livro sobre uma figura publica? As bibliotecas pelo mundo estariam vazias!

Por isso hoje temos poucos livros sobre nossas estrelas de futebol, especificamente do Inter. Quantas Biografias não autorizadas sobre o Falcão existem no Brasil? ZERO. Batista? ZERO. Valdomiro? ZERO. Rubens Minelli? Acho que ZERO. Enio Andrade? ZERO.

Olha se Gabiru fosse atleta Americano, pode ter certeza já teriam uma biografia oficial dele e mais umas 3 não autorizadas...E olha as autorizadas tem muito valor. Biografia Autorizada só conta um lado da história. Ultimamente até que alguns artistas abriram bem o jogo como a auto-biografia do Clapton assim como a auto-biografia do Lobão. Mas mesmo assim são apenas 1 ponto de vista. Outros são necessarios pra ver a história completa.

Agora, para meu choque um grupo no Brasil chamado "Procure Saber" da qual fazem parte Caetano, Gil, Buarque, Roberto Carlos entre outros apoiam a lei que exige autorização e pagamento das biografias não autorizadas. Caetano e Gil...que conhecem bem a censura...que tiveram que sair do Brasil por causa disso que hoje velhos e ricos querem censurar Autores de seu direito de se expressar em forma de livro sobre qualquer assunto que quiera.

Um amigo e editor Americano do Ceatano escreveu uma otima carta aberta ao Caetano pedindo pra ele mudar de ideia no assunto. A carta é tão boa que vou publicar na integra abaixo.

Por sinal...essa história toda não deixa de caber direitinho na minha teoria dos 20 anos..se bem que ta mais pra 60 anos.

Leia a carta ao Caetano do Benjamin Moser:

Caro Caetano,
Nos EUA, quando eu era menino, havia uma campanha para prevenir acidentes na estrada. O slogan rezava: "Amigos não deixam amigos bêbados dirigir". Lembrei disso ao ler suas declarações e as de Paula Lavigne sobre biografias no Brasil. Fiquei tão chocado que me sinto obrigado a lhe dizer: amigo, pelo amor de Deus, não dirija.
Nós nos conhecemos há muitos anos, desde que ajudei a editar seu "Verdade Tropical" nos EUA. Depois, você foi maravilhoso quando lancei no Brasil a minha biografia de Clarice Lispector, escrevendo artigos e ajudando com o alcance que só você possui. Admiro você, de todo o meu coração.
E é como amigo e também biógrafo que te escrevo hoje. Sei que você sabe da importância de biografias para a divulgação de obras e a preservação da memória; e sei que você sabe quão onerosos são os obstáculos à difusão da cultura brasileira dentro do próprio Brasil, sem falar do exterior.
Fico constrangido em dizer que achei as declarações suas e da Paula, exigindo censura prévia de biografias, escandalosas, indignas de uma pessoa que tanto tem dado para a cultura do Brasil. Para o bem dessa mesma cultura, preciso dizer por quê.
Primeiro, achei esquisitíssimo músicos dizerem que biógrafos querem ficar com "fortunas". Caetano, como dizem no Brasil: fala sério. Ofereço o meu exemplo. A biografia de Clarice ficou nas listas de mais vendidos em todo o Brasil.
Mas, para chegar lá, o que foi preciso? Andei por cinco anos pela Ucrânia, pela Europa, pelos EUA, pesquisando nos arquivos e fazendo 257 entrevistas. Comprei centenas de livros. Visitei o Brasil 12 vezes.
Fiquei contente com as vendas, mas você acha que fiquei rico, depois de cinco anos de tais despesas? Faça o cálculo. A única coisa que ganhei foi a satisfação de ver o meu trabalho ajudar a pôr Clarice Lispector no lugar que merece.
Tive várias vantagens desde o início. Tive o apoio da família da Clarice. Publico em língua inglesa, em outro país. Tenho a sorte de ter dinheiro próprio. Imagine quantos escritores no Brasil reúnem essas condições: ninguém.
Mas a minha maior vantagem foi simplesmente ignorância.
Não fazia ideia das condições em que trabalham escritores e jornalistas brasileiros. Não sabia quanto não se pode dizer, num clima de medo que lembra a época de Machado de Assis, em que nada podia ofender a "Corte".
Aprendi, por exemplo, que era considerado "corajoso" escrever uma coisa que todo mundo no Brasil sabe há quase um século, que Mário de Andrade era gay. Aprendi que era até inusitado chamar uma cadeira de Sergio Bernardes de feia.
Aprendi o quanto ganham escritores, jornalistas e editores no Brasil, e quanto os seus empregos são inseguros, e como são amedrontados por ações jurídicas, como essas com que a Paula, tão bregamente, anda ameaçando.
É um tipo de censura que você talvez não reconheça por não ser a de sua época. Não obriga artistas a deixarem o país, não manda policiais aos teatros para bater nos atores. Mas que é censura, é. E muito mais eficaz do que a que existia na ditadura. Naquela época, as obras eram censuradas, mas existiam. Hoje, nem chegam a existir.
Você já parou para pensar em quantas biografias o Brasil não tem? Para só falarmos da área literária, as biografias de Mário de Andrade, de João Guimarães Rosa, de Cecília Meirelles, cadê? Onde é que ficou Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre? Você nunca se perguntou por que nunca foram feitas?
Eu queria fazer. Mas não vou. Porque o clima no Brasil, financeiro e jurídico, torna esses empreendimentos quase impossíveis. Quantos escritores brasileiros estão impedidos de escrever sobre a história do seu país, justamente por atitudes como as suas?
Por isso, também, essas declarações, de que o biógrafo faz isso só por amor ao lucro, ficam tão pouco elegantes na boca de Paula Lavigne. Toda a discussão fica em torno de nossas supostas "fortunas".
Você sabe que no Brasil existem leis contra a difamação; que um biógrafo, quando cita uma obra ainda com "copyright", tem obrigação de pagar para tal uso. Não é diferente de você cantar uma música de Roberto Carlos. Essas proteções já existem, podem ser melhoradas, talvez. Mas estamos falando de uma coisa bem diferente da coisa que você está defendendo.
De qualquer forma, essas obsessões com "fortunas" alheias fazem parte do Brasil do qual eu menos gosto. Une a tradicional inveja do vizinho com a moderna ênfase em dinheiro que transformou um livro, um disco, uma pintura em "produto cultural".
Não é questão de dinheiro, Caetano. A questão é: que tipo de país você quer deixar para os seus filhos? Minha biografia foi elogiosa, porque acredito na grandeza de Clarice. Mas liberdade de expressão não existe para proteger elogios. Disso, todo mundo gosta. A diferença entre o jornalismo e a propaganda é que o jornalismo é crítico. Não existe só para difundir as opiniões dos mais poderosos. E essa liberdade ou é absoluta, ou não existe.
Imagino, e compreendo, que você pense que está defendendo o direito dos artistas à vida privada. Mas quem vai julgar quem é artista, o que é vida privada e o que é vida pública, sobre quem, e sobre o que se pode escrever e sobre quem e, sobre quem não? Você escreve em jornal, você, como o artista deve fazer, tem se metido no debate público. José Sarney, imortal da Academia Brasileira das Letras, escreve romances. Deve ser interditada também qualquer obra crítica sobre ele, sem autorização prévia?
Não pense, Caetano, que o seu passado de censurado e de exilado o proteja de você se converter em outra coisa. Lembre que o Sarney, quando foi eleito governador do Maranhão, chegou numa onda de aprovação da esquerda. Glauber Rocha, também amigo seu, foi lá filmar aquela nova aurora.
Não seja um velho coronel, Caetano. Volte para o lado do bem. Um abraçaço do seu amigo,
Benjamin Moser
Benjamin Moser é autor de "Clarice" (Cosac Naify)