"Ameaçou na primeira, não bateu... agora sim, ele parte... Joga a bola fechada, Rogério! Pegou, largou, tá viva dentro da grande área... o Fernandão bate!... Gooooooooooooooooooool! Fernandão! Do Internacional!"
Assim começava minha alegria, narrada por Cléber Machado, naquela inesquecível noite de 16 de agosto de 2006. Ali começava a se consumar o primeiro grande ato da série de títulos inesquecíveis do Inter nos últimos anos. Eu comemorava o gol, um tanto constrangido, por não estar em casa. Tinha combinado de ver o jogo na república onde um grande amigo flamenguista morava. Porém, chegando pouco antes do jogo, não encontrei meu amigo lá e, como não ia dar tempo de voltar pra casa sem perder parte do primeirto tempo, aceitei o convite dos colegas dele de república para ver o jogo lá. Não sabiam onde ele estava e eu imaginei que devia estar chegando a qualquer momento.
Comemorei bastante o gol e estava muito empolgado ao fim do primeiro tempo. Como o Inter jogava bola naquele ano, caramba! Findo o primeiro tempo e nada de notícia do meu amigo, resolvi voltar pra casa e terminar de ver o jogo lá mesmo, com minha esposa. Então peguei o carro e no trajeto de volta passo por minha esposa que ia de bicicleta atrás de mim lá na casa do meu amigo. Estacionei, curioso, enquanto ela vinha em minha direção. Me disse, ofegante, que um outro casal de amigos ligou pra ela informando que uma grande amiga (na verdade, praticamente namorada) do meu amigo havia morrido subitamente e que ele estava na casa deles.
Deixamos então a bicicleta em casa e fomos até lá. Foi triste ver o estado de meu amigo. Ele estava muito mal, bastante abalado, "sem chão". A moça era jovem, de uns 26 anos, e tinha tido um aneurisma durante a noite anterior. Morreu assim, sem dar aviso, sem que ninguém pudesse se preparar, nada. Uma fatalidade. Eu tinha conhecido ela no fim de semana anterior e era uma pessoa muito agradável. Nessa altura dos acontecimentos, o segundo tempo do jogo já ia acabando e, confesso, apesar de toda a tragédia, lá no fundo do meu pensamento piscava uma luzinha de alerta, querendo saber do jogo.
Pedi licença ao pessoal, para pelo menos saber do placar e quando vi estava 2 x 1 para o Inter, o SPFC ainda não tinha feito o gol deles. Com muito custo, desliguei a TV. Que situação! De um lado, o coração apertado pelo sofrimento do meu amigo, querendo dar apoio, palavras de conforto e tudo mais. Do outro, um colorado que finalmente vivia o momento mais importante da história do seu clube, mas que não queria ser indelicado e desrespeitoso. Enfim, o fato é que consegui conter meu desespero em ver o jogo e fiquei ao lado do meu amigo. Depois de um tempo, o outro amigo (do casal que mencionei) voltou da cozinha e me disse que tinha dado uma olhada na TV e que o Inter tinha sido campeão!
Nessa hora, devo ter olhado com uma cara de muito desespero para meu amigo, pois mesmo naquele estado soltou um sorriso e disse "Vai lá meu irmão, ver a comemoração!". Não pensei duas vezes e fui pra TV, vidrado, curtindo cada segundo daquelas imagens inesquecíveis. Inter, campeão da Libertadores! Era inacreditável. Certamente, minha emoção naquele momento foi confusa, uma mistura de alegria e tristeza, de vontade de comemorar e também de aquietar em respeito à dor de meu amigo.
É, enfim, são coisas assim que a vida nos proporciona e que não tem muito o que dizer ou filosofar. A alegria e a tristeza andam de mãos dadas mesmo. Como diz Kalil Gibran, em "O Profeta", são "inseparáveis".
Uma noite que seria apenas de tristeza, mas em que o futebol conseguiu produzir um leve sorriso e um pequeno momento de descontração na tormenta vivida por um ser humano.