Escrito por Diana Oliveira
Era uma vez um grupo de meninas de 13, 14, 15 anos que amavam jogar futebol, numa época em que Marta devia ter uns 8 ou 9 anos de idade e ainda brincava com um bolo de meias enroladas, sob a ponte de um rio seco no interior de Alagoas. Naquele tempo garotas praticando o esporte bretão era pouco popular ou compreendido, hoje as quadras estão sendo invadidas pelo público feminino, graças a gerações como esta, que abriram espaço.
A turma de amigas treinava na escolinha do Inter, reza a lenda que uma delas ia pro treino de kichute. Imagino essa menina chegando na escola usando o calçado hit entre os meninos, o impacto que devia causar. Mas elas foram treinando, crescendo, jogando e amadurecendo no clube do povo. Opa, se é do povo é de todo mundo, não? Mas em 2003 o futebol feminino foi extinto no Beira Rio e a essas alturas as meninas eram moças, algumas cursavam faculdade e seguiram seus rumos de formas distintas. Muitas pararam de jogar profissionalmente, poucas foram pra São Paulo arriscar a continuidade do trabalho e assim passaram-se alguns anos.
Então Marta cresceu. Daniela, Formiga, Cristiane e mais quantas foram abrindo espaço na mídia à foice. Outras tantas desconhecidas foram medalhistas, vitoriosas ocultas, incansáveis mulheres pouco remuneradas pra jogar futebol na pátria de chuteiras. Contra-senso, despropósito, desvalor... Desistência? Nunca, mulher quando quer ninguém segura. Na base dessa geração medalha de prata em Atenas, ouro no Pan do Rio e prata no Mundial da China estão histórias de meninas e mulheres que lutam há anos pelo futebol feminino.
E hoje, às 16:00, no estádio Beira Rio entram em campo algumas dessas personagens. Era uma vez um grupo de meninas de 13, 14, 15 anos que hoje têm 23, 24, 25 anos e voltam a defender o colorado, juntamente com a nova geração que inicia no futebol. O time do Inter possui, além de várias debutantes da bola, uma jogadora experiente pra cada área de atuação, novamente reunidas através da Duda e sua escolinha, que tem a Tatiele como professora, mas que um dia foi uma das meninas. Entre as que iniciaram juntas no futebol, duas seguiram jogando, em São Paulo, no time do Botucatu, onde a remuneração oscila na faixa dos R$1500,00 - mais auxílio à Faculdade e moradia. Aqui a proposta é bem mais modesta e algumas delas só não foram pro Juventude pelo esforço da Duda em conseguir recursos e pelo ideal de unirem-se novamente, vestir a camisa vermelha, pela amizade que se distanciou devido ao fatalismo do destino.
Existe uma gama de ações efetivas para impulsionar o futebol feminino, a primeira delas aconteceu, competição. Mas só isso não adianta, é preciso investimento financeiro e pessoal. Por que não criar convênios com faculdades para que atletas possam cursar terceiro grau? Não é apenas a grana na mão, claro que as meninas precisam ser remuneradas pra jogar profissionalmente, mas é fundamental uma postura de incentivo, do contrário a competição criada morre de falência múltipla dos órgãos na medida em que as equipes vão sendo inviabilizadas. Poucas perspectivas não atraem novas atletas, ou alguém aqui é relógio pra trabalhar de graça?
O destaque do time do Inter é a jogadora Karina, atacante, campeã no Pan de Santo Domingo, marcou o gol no empate em Caxias. A equipe, se vencer o Juventude, será completa por duas jogadoras que estão atuando na seleção de Futsal, no Equador e mais algumas garotas que foram convocadas para uma das seleções de base do futebol. Esta miscelânea de situações, histórias, vidas entrelaçadas vai entrar em campo hoje, enfrentando um time que joga junto há três anos, enquanto as coloradas tiveram doze treinos para se readaptarem umas com as outras e efetivarem as mais novas.
O futebol feminino do Brasil clama por apoio, patrocínio, incentivo. O futebol feminino gaúcho, em especial colorado, pede apenas nesse momento que a torcida prestigie. Tenham a certeza de que ali não falta amor à camisa. Isso ninguém pode questionar.