
Como todos os meninos uruguaios, eu também quis ser jogador de futebol. Jogava muito bem, era uma maravilha, mas só de noite, enquanto dormia: de dia era o pior perna-de-pau que já passou pelos campos do meu país.
Como torcedor, também deixava a desejar. Juan Alberto Schiaffino e Julio César Addadie jogavam no Peñarol, o time inimigo. Como bom torcedor do Nacional, eu fazia o possível para odiá-los. Mas Pepe Schiaffino, com suas jogadas magistrais, armava o jogo do seu time como se estivesse lá na torre mais alta do estádio, vendo o campo inteiro, e Pardo Abbadie deslizava a bola sobre a linha branca da lateral e corria com botas de sete léguas, gingando, sem tocar na bola nem nos rivais: eu não tinha saída a não ser admira-los. Chegava até a sentir vontade de aplaudi-los.
Os anos passaram, e com o tempo acabei assumindo minha identidade: nãopasso de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão, e nos estádios suplico:
- Uma linda jogada, pelo amor de Deus!
E quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre – sem me importar com o clube ou país que o oferece.
Esse texto abre o livro Futebol ao Sol e à Sombra, de Eduardo Galeano. O escritor uruguaio faz uma homenagem ao esporte mais apaixonante do mundo, sem perder sua tradicional visão crítica e política. O livro de crônicas apresenta desde títulos gerais como “O juiz” ou “A torcida”, “A bola”, até os nomes marcantes da história do futebol. Tem também um toque de bom humor, outra característica do escritor. Ao descrever os acontecimentos decorrentes pelo mundo a cada início de Copa do Mundo, acrescenta no fim destes parágrafos a sistemática afirmação: Fontes bem-informadas de Miami anunciam a queda iminente de Fidel Castro, que vai despencar em questão de horas...
Destaco um capítulo em especial, onde ele fala do Maradona. Confesso que mudei meu conceito sobre o jogador após vê-lo sobre a ótica de Galeano. Deixei um pouco de lado a rivalidade entre brasileiros e argentinos, identificando-me com o que somos todos: latinos. Ele inicia o texto assim: Jogou, venceu, mijou, perdeu. A análise acusou presença de efedrina e Maradona acabou de mau jeito seu Mundial de 94.
Que o Maradona é vítima de seu vício todo mundo sabe e a tendência que temos é de certa forma penalizar moralmente um ídolo caído pela fraqueza. Os argentinos, no entanto, abraçam seu filho problema e jamais o abandonam. Eduardo Galeano deixa essa análise psicológica de fora e se detém ao fato de que o prazer de derrubar ídolos é diretamente proporcional à necessidade de tê-los.
A copa de 86, no México, teve transmissão vendida à Europa. Com diferença de fuso horário houveram jogos marcados ao meio dia... E danem-se os jogadores. Maradona se manifestou publicamente contra a decisão. Esta entre outras atitudes fizeram do craque um alvo, pois mexera com marimbondos. Sendo assim, na ocasião de sua queda em 94, não faltou quem festejasse. O interessante da forma como Eduardo Galeano o descreve é que por mais “marrento” que seja Maradona, sua fragilidade perante a cocaína, em união com as poucas amizades que conquistou na aristocracia do futebol, camuflaram uma face política e contestadora de um jogador tão polêmico quanto virtuoso. Eu diria que o hermano foi um abusado: valente no ataque, prepotente na fala, excessivo às tentações e genial com a canhotinha cheia de habilidade, rapidez e criatividade .
Tá aí minha dica em tempos de mares calmos. Peço desculpas por não estar cumprindo com meu compromisso das segundas-feiras, mas todos querem suas obras finalizadas até o natal e minha atividade com as linhas acaba sobrepondo às letras. A quem seguir a sugestão do livro, boa leitura!
Como torcedor, também deixava a desejar. Juan Alberto Schiaffino e Julio César Addadie jogavam no Peñarol, o time inimigo. Como bom torcedor do Nacional, eu fazia o possível para odiá-los. Mas Pepe Schiaffino, com suas jogadas magistrais, armava o jogo do seu time como se estivesse lá na torre mais alta do estádio, vendo o campo inteiro, e Pardo Abbadie deslizava a bola sobre a linha branca da lateral e corria com botas de sete léguas, gingando, sem tocar na bola nem nos rivais: eu não tinha saída a não ser admira-los. Chegava até a sentir vontade de aplaudi-los.
Os anos passaram, e com o tempo acabei assumindo minha identidade: nãopasso de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão, e nos estádios suplico:
- Uma linda jogada, pelo amor de Deus!
E quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre – sem me importar com o clube ou país que o oferece.
Esse texto abre o livro Futebol ao Sol e à Sombra, de Eduardo Galeano. O escritor uruguaio faz uma homenagem ao esporte mais apaixonante do mundo, sem perder sua tradicional visão crítica e política. O livro de crônicas apresenta desde títulos gerais como “O juiz” ou “A torcida”, “A bola”, até os nomes marcantes da história do futebol. Tem também um toque de bom humor, outra característica do escritor. Ao descrever os acontecimentos decorrentes pelo mundo a cada início de Copa do Mundo, acrescenta no fim destes parágrafos a sistemática afirmação: Fontes bem-informadas de Miami anunciam a queda iminente de Fidel Castro, que vai despencar em questão de horas...
Destaco um capítulo em especial, onde ele fala do Maradona. Confesso que mudei meu conceito sobre o jogador após vê-lo sobre a ótica de Galeano. Deixei um pouco de lado a rivalidade entre brasileiros e argentinos, identificando-me com o que somos todos: latinos. Ele inicia o texto assim: Jogou, venceu, mijou, perdeu. A análise acusou presença de efedrina e Maradona acabou de mau jeito seu Mundial de 94.
Que o Maradona é vítima de seu vício todo mundo sabe e a tendência que temos é de certa forma penalizar moralmente um ídolo caído pela fraqueza. Os argentinos, no entanto, abraçam seu filho problema e jamais o abandonam. Eduardo Galeano deixa essa análise psicológica de fora e se detém ao fato de que o prazer de derrubar ídolos é diretamente proporcional à necessidade de tê-los.
A copa de 86, no México, teve transmissão vendida à Europa. Com diferença de fuso horário houveram jogos marcados ao meio dia... E danem-se os jogadores. Maradona se manifestou publicamente contra a decisão. Esta entre outras atitudes fizeram do craque um alvo, pois mexera com marimbondos. Sendo assim, na ocasião de sua queda em 94, não faltou quem festejasse. O interessante da forma como Eduardo Galeano o descreve é que por mais “marrento” que seja Maradona, sua fragilidade perante a cocaína, em união com as poucas amizades que conquistou na aristocracia do futebol, camuflaram uma face política e contestadora de um jogador tão polêmico quanto virtuoso. Eu diria que o hermano foi um abusado: valente no ataque, prepotente na fala, excessivo às tentações e genial com a canhotinha cheia de habilidade, rapidez e criatividade .
Tá aí minha dica em tempos de mares calmos. Peço desculpas por não estar cumprindo com meu compromisso das segundas-feiras, mas todos querem suas obras finalizadas até o natal e minha atividade com as linhas acaba sobrepondo às letras. A quem seguir a sugestão do livro, boa leitura!