terça-feira, dezembro 20, 2011

Tenho que discordar...

Bom dia, pessoal. Semana de Natal, desejo a todos ótimos momentos com suas famílias e amigos. Antes de seguir com meu tema principal, cito aqui um trecho de um belo texto de Maria Lucia Lee (um blog que indico a todos, ver aqui) que começa assim:
“O segredo é não correr atrás das borboletas. É cuidar do jardim para que elas venham até você”, escreveu o poeta gaúcho Mário Quintana.
Parece uma frase simples, dessas que a gente lê, acha bonito e logo depois esquece. Mas se quisermos aplicar esse pensamento na vida com profundidade, sentimos que pode ser muito doloroso cuidar do próprio jardim. Para isso, é preciso reconhecer as ervas daninhas que existem dentro da gente. Elas são ilusões que devem ser arrancadas do coração. [...]
Vocês sabem que gosto de metáforas. Pois bem. Esta de Mário Quintana (ps.: talvez não seja dele, como os leitores estão dizendo) é perfeita para o Inter, em minha visão. Sinto que estamos à caça de borboletas, desde o título em 2006. Até pegamos algumas, inclusive muito belas, mas este esforço vai começar a ser em vão, cedo ou tarde. Entre 2002 e 2006, as borboletas vieram até nós após cuidarmos bem demais de nosso jardim. Foco, planejamento, vontade, trabalho. Nossos jogadores tinham menos nome, mas jogavam muito mais bola.

Devíamos voltar a cuidar de nosso jardim.
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O texto de hoje até poderia ficar por aqui. Mas vou me arriscar a comentar essa questão do Barça, a qual já me referi algumas vezes. Além do discurso óbvio e previsível da imprensa, o que não o torna menos exagerado, vejo muitos leitores aqui do blog indo na direção inversa e afirmando que este Barça não é nada demais, mas apenas um time com grandes jogadores e que joga e trabalha sério. Vou ter que discordar, embora as proposições aí contidas sejam verdadeiras: de fato, são grandes jogadores e trabalham sério. Mas não é apenas isso.

Já disse alhures e reafirmo: o Barça está impondo um novo paradigma para o futebol e quem insistir em resistir e continuar enfrentando-os com a filosofia tradicional de futebol vai continuar se frustrando. Nenhuma seleção brasileira ou time nunca jogou como jogam hoje, embora tenhamos tido times incríveis, como as seleções de 70 e 82, além de times como Santos de Pelé, Inter de Falcão, Flamengo de Zico, etc. O carrossel holandês de 74 também não jogou assim, embora seja a origem filosófica do paradigma.

Quanto ao jogo, muito já se falou, mas vou enfatizar alguns pontos: (i) uma filosofia absolutamente coletiva, em que nenhum jogador é "peça fundamental" e em que cada individualidade é potencializada pela atuação conjunta; (ii) o ritmo é o mesmo do início ao fim, não existe o conceito de "segurar resultado", no sentido de evitar o jogo; (iii) não existe posição fixa do meio pra frente, mas apenas áreas de atuação: todos devem ser capazes de concluir a gol e de participar do ataque; (iv) a movimentação dos jogadores é muito semelhante a de esportes como o basquete, com triangulações recorrentes e contra-ataques velozes em que sempre dois jogadores abrem totalmente para os lados; (v) os passes são como no futebol de salão: quase que na totalidade são rasteiros e curtos, com o jogador recebendo em movimento; e (vi) nenhum jogador pega a bola parado e sai driblando em direção ao ataque: dribles ocorrem com o jogador também já em movimento, o que dificulta a marcação e torna o drible mais objetivo.

Há ainda marcação adiantada, etc., etc. Se alguém me mostrar em que lugar do mundo estes cinco aspectos aparecem conjuntamente, pago uma cerveja (ou um copo de leite...rsrsrs) no Celeiro de Ases.

Mas não é apenas no jogo que o paradigma está instalado. Na gestão é que o quadro se completa. Vejamos: (i) não há reservas, estritamente falando: há rodízios, exceto no caso dos jogadores de exceção, que considero apenas Iniesta e Messi; (ii) a filosofia de jogo é treinada desde o início das categorias de base; (iii) suspeito fortemente que há treinamento de futsal para a gurizada, para aprimorar condução de bola, passe, chute a gol e triangulação com movimentação constante; (iv) não criam a figura do "super-astro", como o Cristiano Ronaldo no Real, o Neymar no Santos, etc.: é sempre o coletivo; (v) resultado disso, não há jogador intocável: todos podem ser substituídos; (vi) os jovens são lançados paulatinamente, com preparo e sem pressão, num time que já joga bem e não em um time em busca do padrão de jogo: com isso, talentos não são queimados e disperdiçados e, melhor, são formados em casa; (vii) os jogadores comprados para compor o elenco são jogadores já maduros, mas que vem para compor, nunca como estrelas; e (viii) eles gostam de jogar bola e são comprometidos com o trabalho: quem não é, sai naturalmente, como ocorreu com Ronaldinho Gaúcho, enquanto Iniesta permaneceu. O resultado é que não há necessidade de exagerar nas concentrações para os jogos, o que permite um descanso mental muito maior aos jogadores.

Novamente, quem me apontar um clube que faça isso, ganha duas cervejas. Não pessoal, não dá pra defender que o Barça seja apenas a excelência do futebol tradicional. Não. Afirmar isso é ser teimoso e não perceber uma mudança de paradigma na nossa cara. A excelência do futebol tradicional é, hoje, o Real Madrid, um belíssimo time e muito bem treinado pelo Mourinho, mas que ainda é da "velha escola". Engana-se quem acredita que passados os atuais jogadores, o Barça vai cair de produção. Eles certamente já estão trabalhando os próximos Iniesta, Xavi e, por que não, Messi. Devem estar lá com seus 14, 15 anos. Se os demais clubes não assumirem essa nova filosofia e embarcar no "futebol 2.0", como escreveu o Louis, o domínio catalão só terminará se o Barça fechar as portas.


Mas será difícil. Mudar de paradigma é algo que o ser humano odeia. O esforço é sempre contornar, para permanecer ao máximo na zona de conforto. Então, ainda por um bom tempo é provável que nos contentemos com as derrotas ou empates esporádicos do Barça, dizendo "Tá vendo? Não tem nada de imbatível aí..." e acreditando nisso, esquecendo que os caras são humanos e vão mesmo, às vezes, jogar sem tesão ou desatentos. Ou mesmo, às vezes vão jogar bem, mas a bola não vai entrar, coisas do futebol, afinal.

Retomando Mário Quintana, eu prefiro cuidar do jardim, como Barça fez. Eu gostaria que o Inter copiasse o Barça. Não para ser o "Barça brasileiro", mas para ser mais um clube partindo para o novo paradigma, disposto a enfrentar o desafio. O Inter deveria buscar um consultor holandês perito nesse esquema de jogo para implantar a filosofia em nosso clube.

Até porquê, esse "futebol 2.0" é muito bom de ver. Dá gosto ver jogadores que gostam de jogar futebol durante 90 minutos e não apenas até fazer um a zero, como se jogar bola (e treinar) fosse um sacrifício.

No futebol 2.0 não tem espaço para preguiçoso, para estrelinha ou para quem não curte estar em campo e jogar.

ps.: Fiquei pensando na cara de tacho do Casagrande, que no ínicio do jogo, por ver o Messi de cara fechada e sem olhar para os jogadores do Santos, disse que durante o jogo o Messi ia "conhecer quem era o Neymar". Somos uns idiotas mesmo. O cara sério, concentrado, focado no jogo, é "arrogante". O certo é fazer como brasileiro, ficar de sorrisinho, brincadeira, beijinho no adversário, etc... A atitude do Messi é tudo que eu espero de jogador profissional.