Lembro perfeitamente do tempo em que o “boa noite” do Cid Moreira significava a hora de eu ir dormir, éramos a família, como tantas outras, espectadora da Rede Grobo. Ás vezes eu odiava esse boa noite, outras mal podia esperar por ele, exausta do dia ativo no colégio. Meu pai assistia religiosamente Jornal Nacional e aos domingos, Fantástico. Durante a semana meu dia findava no famoso boa noite e aos domingos, com a sonora melodia dos Trapalhões, que abria o programa e se repetia no encerramento. Nada encantou mais a minha infância que esse quarteto, o mais hilário e simpático de todos: Mussum forévis! Diferente da semana, o domingo era um dia que eu não aceitava terminar, pois viria a segunda-feira, nota-se que minha repulsa vem da infância, talvez agora, adulta, escrevendo uma coluna às segundas, eu supere esse trauma.
Então, na tentativa de prolongar meu domingo, eu pedia pra assistir o Fantástico “só um pouquinho”, pelo menos até aparecer aquela amiguinha tão formosa, a zebra. Eu ficava repetindo: Coluna do meio! Não gostava que alguém perdesse, por mim seria tudo coluna do meio, sempre. Ela foi o significado lúdico do futebol pra mim, fui entendendo o que é o Inter aos poucos, ouvindo e perguntando, quem havia sido Falcão, Figueroa e tudo mais. Já no universo mágico da mente infantil, de onde vêm as sensações antes do pensamento crítico, futebol era o Sócrates e a zebrinha.
Hoje lembrei dela, por recordar justamente da torcida pela coluna do meio. Quero nunca perder, quero nunca que alguém perca. Não lembro como passei pelo processo social e competitivo até superar adversários, torcer por derrota do rival ou me impor como concorrente a seja qual for a láurea em questão. Sei que valorizo todas as minhas conquistas e respeito demais todas as minhas derrotas. Fico pensando qual a conseqüência na minha personalidade com relação à zebrinha, talvez eu fosse uma inconformada com resultados divergentes da minha previsão, ou aceitasse pacificamente tudo que acontece fora do meu controle, sem poder reativo algum. Mas eu saí uma legítima coluna do meio e isso não é uma confissão íntima sexual, explica apenas o fato de que tento tirar algum proveito das desilusões porque a derrota castiga e preciso encontrar alguma razão pra passar por isso.
Nem cair na melancolia da auto-estima flagelada, tão pouco justificar em terceiros o que fiz por merecer. É não ser indiferente, como quem não sente e por isso silencia. É juntar os pedaços e destes, dilacerados, recriar onde me expus e criar onde frustrei. Deu coluna dois ontem Colorado... e pior, não foi zebra.
