terça-feira, janeiro 13, 2009

19 Imortal é o Alsaciense

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Na semana passada recebi um e-mail do meu estimado amigo colorado Milton Ribeiro. Ele me mandou um texto muito interessante de um outro amigo, também colorado, mas que dada a, digamos, audácia com que abordou o tema em seu artigo, preferiu optar pelo anonimato. De qualquer sorte, gostei demais da abordagem e resolvi publicá-la aqui no BV. Para não deixar o texto com autor anônimo, tomei a liberdade de “batizá-lo” com o pseudônimo Benedito Leibowitz de Rossi. Com vocês: “Imortal é o Alsaciense”


Definitivamente o Brasil não é o país da rivalidade ferina no futebol, embora o esporte seja muito popular por aqui. Talvez o mais de todos. Em matéria de antagonismo entre torcidas combinado com baixaria ninguém vence a Grande Alsácia do Sul, um pequeno arquipélago provinciano perdido entre a costa da África e a Oceania.

Contam os mais velhos: em Grande Alsácia, registra-se a maior hostilidade entre grupos rivais da História da Humanidade. Daquelas capazes de fazer com que pelo menos um dos clubes passasse a freqüentar as páginas de polícia, ainda que não exista aparentemente um nexo causal entre os fatos. A princípio, a situação apresenta-se como constrangedora coincidência.

Como já se foram longos anos não sei se a sucessão de eventos é essa. Mas vamos lá. A história do futebol em Grande Alsácia do Sul pode ser resumida assim. Um dos clubes, cansado das baixarias protagonizadas pela torcida adversária, abandonou os torneios regionais e nacionais. Montou um time denominado galácticos e partiu para uma bem sucedida campanha internacional. Em sua jornada épica derrotou equipes teoricamente muito superiores em torneios de amplitude mundial e continental.

Sua torcida fanática era felicidade pura. O Supercontinental era uma espécie de Davi a engolir um Golias atrás do outro. Talvez daí a origem do ressentimento arraigado entre os integrantes da Associação Aeroporto-alsaciense de Futebol e Tiro. Por eufemismo denominado co-irmã.

Frustrada com a indiferença do Super, formado em sua maioria por funcionários dos serviços dos correios, a diretoria do Alsaciense, aglutinadora do pessoal da aeronáutica, resolveu criar um modelo de agremiação, o qual foi batizado clube-empresa. Por problemas administrativos, e de estratégia de marketing, a iniciativa naufragou. O clube amargou uma violenta dívida calculada em milhões de dólares. Praticamente quebrou.

No momento em que outra equipe diretiva assumiu para consertar a casa, ou pelo menos remendar, veio o escândalo: uma parte da imprensa local descobriu que uma bolada da dívida do Alsaciense estava diretamente ligada a desonestidade escandalosa de uma minoria dirigente dos tempos do clube-empresa.

Cheques haviam sido depositados na conta de gente próxima ao presidente da época, que por sinal, foi obrigado a se entender com a justiça por conta do ataque perpetrado contra os cofres do clube do coração. O cartola nunca foi para a cadeia porque a justiça de Alsácia era condescendente em relação aos atos praticados pela fina flor da sociedade.

Ainda mais um ex-presidente de um time de futebol do porte do Alsaciense, o qual num passado remoto chegou a conquistar alguns títulos de validade duvidosa. Dizem as más línguas. Adquiridos no Paraguai. Assim o Senhor Guerrilheiro, como era chamado o dirigente, saiu incólume da situação.

Mais uma vez quando o primeiro escândalo havia sido esquecido, ou empurrado para baixo do tapete, um segundo ex-dirigente do Alsaciense, agora no poder público, homem responsável pela defesa do país, foi inquirido igualmente pela polícia por suspeita de integrar um esquemão de desvio de dinheiro público praticado por uma quadrilha, a qual drenava o montante usando a estrutura do departamento responsável pela formação de comandantes da força aérea, autarquia essa, subordinada à defesa, sob a sigla Atracan. Alemão, apelido do dirigente, continua a ser investigado, embora desopile do transtorno imposto pela lei em apostas de turfe. Adora comprar cavalos para a namorada.

Em sua agonia, e coleção de fofocas, o Alsaciense deu prosseguimento em seu périplo nas páginas policiais por meio do treinador. Novamente, as acusações trilhavam os crimes contra a ordem financeira: remessa ilegal de dinheiro ao exterior, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, entre outros crimes. Sem norte, a torcida do Alsaciense pirou de vez. Passou a brigar entre si. Trocavam tiros na saída do pequeno estádio, o Sobrenatural. Uns roubavam dos outros e até se matavam entre si.

No entanto, não havia sentimento de culpa porque eram kardecistas convictos na medida em que acreditavam ferrenhamente em sua própria imortalidade. De vez em quando sobrava uma azeitona para um torcedor do Super, mas esse era mortal e virava presunto mesmo.

Numa das investigações, foi descoberta até uma célula nazista pilotada por sócios VIP, entre os quais alguns conselheiros do clube. Portavam armas ilegais, praticavam crimes de internet. Combinavam ações subversivas em sites de relacionamento. Uma série de provas materiais contra o grupo foi apreendida na casa de um comparsa.

Diante de tantos escândalos, uma maldição abateu o Alsaciense de tal maneira que o pequeno clube nunca mais venceu um campeonato importante. Apenas torneios locais. Nadava, nadava e morria na várzea.

Sem o que comemorar a parcela ingênua dos torcedores do Alsaciense, condescendentemente batizada de inocente inútil, passou o resto de sua vida a comemorar a vitória parcial em primeiros turnos como se tivessem vencido o campeonato inteiro, ainda que não levantassem taças nem colocassem faixas. Literalmente saíram da casinha, porém jamais abriram mão de apregoar a sua própria imortalidade.

Alguns sugeriram até reformar o Estádio Sobrenatural e transformá-lo num centro espírita de massas. Outros queriam vender a área do velho estádio e erguer também um centro de pregação da fé em instalações mais modernas e confortáveis para atender as normas da Fifa: o Coliseu. Esse tema também rendeu muito boato porque mais uma vez a construção da nova sede do Alsaciense iria ao encontro de alguns interesses pessoais e contrariava outros. Questionados, os últimos dirigentes do saudoso Alsaciense proclamaram o clube como uma vítima sistemática de uma violenta e mordaz teoria conspiratória.