sexta-feira, julho 13, 2007

26 Guaraná Frisante Polar

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ESCRITO POR RAFAEL SEVERO

Do ano de 1979 não me lembro de muita coisa, não. Nem do Inter Campeão Invicto... Porém, dois acontecimentos daquele ano ainda me são muito nítidos: o nascimento do meu irmão Marcos e, claro, o Guaraná Frisante Polar. Pra quem não sabe, o Guaraná Frisante Polar foi o melhor refrigerante do Mundo de todos os tempos! O Pelé engarrafado. Pra quem não lembra... não, impossível não lembrar!!! E pra quem é muito novo, só lamento... Bom, o gosto do Guaraná Frisante Polar é indescritível e irrepetível.

Mais de mil guaranás já foram inventados e "desinventados" e todos sucumbiram e ainda sucumbem à simples lembrança do gosto borbulhante e geladinho do fabuloso Guaraná Frisante Polar. Notem que não é um simples guaraná, é Guaraná "Frisante" Polar!!! O que significa a palavra frisante até hoje não sei. O que sei é que ela se torna peça fundamental na reconstituição total do gosto do refri em minha mente balsaquiana. É como um condão mágico que restitui minhas recordações mais ternas. Pra mim, frisante virou parâmetro de qualidade. É o Top of Mind dos meus melhores momentos.

Então, por exemplo, lembro-me que no final dos anos 70 e início dos 80, quando sentados à volta da mesa, eu, meus irmãos e primos almoçávamos na ânsia de tomar o Guaraná Frisante Polar ao final da refeição. Sim, naquela época, pra beber o refrigerante a gente era obrigado a comer tudo o que estava no prato. Reunião em família na casa da avó: sem dúvida, um momento "frisante" da minha vida. No início dos anos 80 o Inter teve Mauro Galvão, Ruben Paz, Aloísio, Silvinho e alguns gauchões, mas não chegava a ser um time "frisante". Já eu, tinha duas avós, uma gordinha e outra magrinha, dois avôs, um alto e outro baixo e duas bisavós bem enrugadinhas já. Tinha sim, e daí?! Eram minhas e ninguém tascava, ora! Isso era "frisante"...

Jogar bola de pé descalço, no paralelepípedo da rua, até tarde da noite, era "frisante", mas arrancava dolorosos "tampões" de pele do dedão do pé. Em geral, brincar na rua de esconde-esconde e pega-pega era muito "frisante". Hoje, o "bicho" pega na rua e "pega-pega" tem outra conotação. Enquanto isso, em 1985, nem gauchão o Colorado pegava mais... Tinha Taffarel, um goleiro "frisante", tinha uma zaga super "frisante", com Aloísio e Pinga, mas tinha meio-campo e ataque que eram, no máximo, um Fruki... Ah, jogar futebol de botão, caçar morcego, bater figurinhas, bater punheta, bater a cara e quebrar o dente, bater papo com os amigos, tudo isso era muito "frisante".

No final de 1985, passei minhas primeiras férias no meu sítio, lá no meio dos Campos de Cima da Serra, um lugar que além de "frisante", é polar também, visto que é a região mais alta e fria do estado, e, sem dúvida, de paisagens mais deslumbrantes... Frisante total!!! Em 1987 e 1988 o Inter ameaçou formar times "frisantes", mas com finais frustrantes. Quem não lembra de Heider, Amarildo e Paulo Mattos? Ou de Maurício Nilson e Edu? Pois é, quase "frisamos" naquela época. Mais ou menos por aí eu dançava Replicantes, Ramones, New Order, Titãs, The Clash e baladas melosas nas extintas "reuniões dançantes" que terminavam sempre super "tarde", lá pela meia-noite...

Nos anos 90 o Colorado até deu umas "frisadinhas", voltando a ganhar alguns gauchões e uma copinha do Brasil, no início da década. Eu fiz segundo grau técnico e conheci aqueles que seriam meus grandes amigos. Isso foi "frisante"! A partir de então, parece que a minha vida saiu da câmera lenta e passou a correr desenfreada: primeiras festas, primeiros porres, primeira namoradinha, primeira trepada, primeiro estágio, barba na cara, óculos na cara, pêlo no peito, um milhão de espinhas, um milhão de neuras, vestibular, faculdade e por aí afora... Tudo normal, mas "frisante", como deve ser pra todo mundo, aliás. E o Inter? Bem, melhor nem comentar...

Em 1999 perdi meu avô alto. E o Inter quase rebaixado nesse ano, não fosse o "frisante" Dunga. Já tinha perdido meu avô baixo lá no longínquo ano de 1980. Em 2001 perdi minha avó magrinha. Tristeza total... Mas também nesse ano tive o momento mais "frisante" da minha vida: o nascimento da minha filha. Indescritível!!! Formatura em 2002, que bacana, legal, u-hu!!! No entanto, mais um desempregado nas estatísticas do país. Desempregado, com filha pra criar e, ainda por cima, torcedor de um time que não ganhava de ninguém. Esses momentos, confesso, nada "frisantes". Nada, nada...

Porém, não esqueçamos que 2006 já desponta no horizonte e de cara, no início desse ano, meu tio (pra mim, meu segundo pai e irmão mais velho) parte dessa vida levando boa parte das minhas boas recordações. Triste pra caramba... Dois meses depois, um dos meus grandes amigos, daqueles do 2º grau, tem a vida covardemente arracanda enquanto trabalhava, em plena luz do dia. Meu amigo entrou também para as tristes estatísticas do país. O ano não podia ser pior. Mas eis, que, contrariando toda lógica de 20 e poucos anos, o Colorado finalmente resolve se tornar um time "frisante", ou melhor, um time Guaraná Frisante Polar.

Finalmente o senhor tempo havia de estar se redimindo comigo. Finalmente, uma maneira de curar minhas feridas futebolísticas e trazer um pouco de alívio num ano trágico. Finalmente um Colorado senhor do seu tempo, senhor do Mundo. E eu, torcedor de um senhor clube de futebol, com um senhor orgulho no peito. Mais "frisante" que esse momento na vida de qualquer colorado impossível... Pois bem, não preciso ficar aqui ressaltando o quão frisante foi o ano de 2006 para os colorados.

Pois bem, o Guaraná Frisante Polar não existe mais e, para muitos, o Inter dos 70 foi muito mais "frisante" que o Inter de 2006. Muitas pessoas queridas da minha vida já se foram, mas meu irmão está com 26 anos e pra ele o Recreativo da Azenha é muito mais "frisante" que o Colorado, enfim... Para a minha avó gordinha, as coisas de 20 e poucos anos atrás eram muito mais frisantes, mas há 20 e poucos anos atrás ela já dizia o mesmo. Minha filha está com cinco anos e torce "frisantemente" para o Colorado e espero que ela tenha uma vida tão "frisante" quanto a minha. Uma pena que ela só não terá ele, o Guaraná Frisante Polar.