quarta-feira, fevereiro 21, 2007

25 Histórias do Colorado: O Clube do Povo

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Escrito por Raul Pons

O Internacional é nacionalmente conhecido como o Clube do Povo do Rio Grande do Sul, como diz seu belo hino. Essa expressão surgiu para designar a fase de maior abertura do clube, no final da década de 1930 e início da década de 1940, quando surgiu o poderoso Rolo Compressor, e a equipe colorada era recheada de atletas negros, ou brancos de origem humilde.

Mas mesmo nos seus primórdios, quando estudantes e funcionários do comércio eram a maioria dos sócios, o Internacional já demonstrava ser popular. Seus torcedores, com um comportamento mais informal chocavam a alta sociedade que freqüentava os “grounds” porto-alegrenses, nos primeiros tempos do futebol da capital gaúcha.

O próprio clube tinha uma estrutura mais simples que seus rivais mais antigos, Grêmio e Fussball. O “ground” da Várzea, no atual Parque Farroupilha, tinha deficiências de marcação, e o uniforme colorado era uma prova concreta das dificuldades que o clube passou, nos seus primeiros anos.

Logo na estréia do Campeonato Municipal de 1911, contra o Nacional, este caráter popular ficaria escancarado. As linhas do “ground” colorado não estavam bem marcadas e havia cascas de frutas no gramado. Além disso, alguns jogadores do Internacional se apresentaram com os uniformes rasgados, e as meias dos atletas eram de cores diversas. Os torcedores colorados vaiavam os erros dos jogadores adversários, o que foi severamente criticado pela imprensa da época. A torcida já era, há 96 anos atrás, o 12º jogador rubro.

No mesmo campeonato de 1911, na partida contra o 7 de Setembro, uma cena curiosa comprovou a precariedade do campo: o árbitro Henrique Sommer marcou um pênalti para o Internacional, mas não conseguia encontrar o local da cobrança. Um torcedor teve que invadir o campo para mostrar ao juiz onde era a marca do pênalti.

A participação ativa da torcida na partida também geraria outro fato curioso: em um amistoso entre os 2ºs quadros de Internacional e Pelotas, em 1913, a torcida colorada vaiou os jogadores do Pelotas durante toda a partida. Revoltada com a torcida colorada, a direção pelotense lançou uma nota dizendo que não jogaria mais com o Internacional, futuramente.

Nos seus três primeiros anos de vida, o Internacional utilizou o “ground” da Várzea, que se localizava exatamente a meio caminho de dois grandes redutos negros de Porto Alegre: o Areal da Baronesa e a Colônia Africana. Talvez isso explique a popularização quase imediata do novo clube. Além disso, o Internacional surgiu como um contraponto ao exclusivismo germânico de Grêmio e Fussball. Isso fez com que o clube atraísse a simpatia de todas as demais comunidades étnicas da cidade, e mais tarde do estado. A soma destas diversas etnias criava uma sensação de brasilidade, contraditoriamente representada por um clube chamado Internacional. Não é a toa que o Colorado era considerado a primeira equipe de Porto Alegre “inspirada e fundada por elementos puramente nacionaes”[1].

Os anos se passaram, quase um século de história já foi construído, mas aquela torcida popular continua fiel, participativa, e apesar de quebrar algumas convenções sociais, poucas vezes pode ser acusada de atos de violência. Hoje, cada colorado é um legítimo herdeiro daquele negro que caminhava alguns quilômetros a pé, da Colônia Africana ao Bonfim, para ver seu clube jogar; daquele comerciante ítalo-brasileiro, que reservava o domingo para ir a missa e ver o Internacional jogar; daquele gaúcho da fronteira, que viajava mais de um dia em um trem desconfortável, para ver de perto aquele grande time que conhecia apenas por jornais. Rua Arlindo, Várzea da Redenção, Chácara dos Eucaliptos e Estádio dos Eucaliptos foram os degraus galgados por essa torcida que toda semana demonstra seu amor pelo vermelho e branco, no Beira-Rio. Em várias línguas, vários credos, várias visões de mundo. Como sempre foi, e como sempre será!

[1] Correio do Povo, 4 de abril de 1924, p. 6; Correio do Povo, 3 de abril de 1927, p. 12; Correio do Povo, 4 de abril de 1937, p. 17.