sábado, junho 23, 2007

17 Pela grandiosidade do clássico

17
escrito por Diana Oliveira

“Um dia estávamos Collor e eu no gabinete do primeiro-ministro da Áustria. Naquela época era o Branitski. Aí, o Collor naquele inglês todo enrolado dele, fez aquele discurso comum dos terceiro-mundistas: “Nós somos um país pobre. Estamos precisando da ajuda de vocês, países ricos”. Aí eu fiquei puto da vida, deixei eles falarem. Mas como ele sempre me dava a palavra depois, só olhei para trás para ver quem estava ali. Sempre tem uns caras do Itamarati junto. Tinham só dois deles que sabiam inglês, mas não sabiam alemão. Aí eu falei em alemão, e disse para o primeiro-ministro: “Olha, nós brasileiros temos um país incrivelmente rico. Vocês têm um território de 83 mil km2. O nosso território é de 8,5 milhões de km2, isto é, mais de 100 vezes maior que o de vocês. O território de vocês, metade é montanha gelada. Dá pra fazer ski e ganhar um pouco com o turismo. Aqueles lindos vales verdes de vocês são lindos, frutíferos, mas têm oito meses de vegetação por ano. A maior parte do Brasil, com exceção daqueles desertosinhos lá do Nordeste, tem doze meses de vegetação por ano. Nós temos um clima maravilhoso. Temos tudo quanto é recurso”. E o Collor só perguntando, não estava entendendo nada. E no fim eu disse: “Mas nós somos um país muito pobre. Incrivelmente pobre. Não se imagina como nós somos pobres em político decente”. Aí na saída, Collor me perguntou: “Lutz, por que o homem riu tanto?” Aí eu expliquei para ele o que tinha dito. O Collor deu uma risada amarela, e três semanas depois me mandou embora.”

José Antonio Lutzenberger
Ambientalista, então Ministro do meio ambiente no governo Collor

Existe uma diferença tênue entre solução drástica para os problemas e eximir-se de enfrentá-los. A cultura do ódio que se estabeleceu entre as torcidas da dupla GRENAL é preocupante, mas certamente a decisão de jogo com torcida única vai muito de encontro com a filosofia “somos países pobres, precisamos de dinheiro”, transferindo, “somos ignorantes, não podemos freqüentar juntos o clássico”.

Por mais que seja necessário preservar a integridade física dos torcedores e o patrimônio do clube, o jogo de torcida única é um remédio paliativo, a questão é bem mais profunda. Quando há desejo e disposição de todos os envolvidos, funciona.
Não é apenas às vésperas do clássico que a imprensa deve promover campanha de paz, tem que ser feito em tempo integral, constantemente lembrando que somos adversários, não inimigos. Campanha anual mesmo, clima de lavagem cerebral. Até que os torcedores que iniciam as confusões sejam condenados e ignorados pelos próprios companheiros, não tem graça quando não chama atenção.

A Brigada Militar tem se mostrado efetiva e atuante na contenção dos tumultos, penso que é o órgão envolvido nitidamente mais preocupado com a gravidade da situação. Os clubes precisam de uma vez por todas punir severamente os culpados, qual é o machão que vai quebrar uma cadeira no estádio do rival, sabendo que nunca mais poderá pisar na casa do time pro qual torce? A fiscalização é bem simples, venda de ingressos apenas pros sócios da torcida visitante e as câmeras se encarregam do resto.

Uma única vez que alguns valentes, além de presos, perdessem o direito de ver seu time jogar, pra sempre, seria suficiente pra moralizar essa história, que até hoje foi alimentada através da impunidade.

O que não pode é o clássico pagar por isso. A essência do GRENAL está nas suas torcidas, é isto que faz a tradição do jogo. E se a rivalidade extrapolou os limites do bom senso, não é proibindo torcida adversária que conseguiremos apaziguar os ânimos exaltados. Ou vocês acham que nas ruas o confronto não ocorrerá?

Sei que posso eu, amanhã, ser vítima de uma agressão, contudo, se me conformasse com o adverso, nunca teria começado a freqüentar sozinha o Beira Rio, impaciente com os convites dos cavalheiros que não passavam de palavras ao vento. Decidi que iria a todos os jogos, com ou sem companhia, tornei-me sócia e ouvi com unanimidade, “sozinha, tá louca?” nunca estive tão lúcida e hoje eu até escrevo uma coluna sobre futebol.

Não tenho característica de esconder-me atrás da decisão fácil. Não é simples mesmo, mas eficácia não tem relação direta com imposição.

Ao invés de fazer como o Collor, me dá um dinheiro aí, prefiro o velho Lutz, ajuda-me a crescer. E a minha insistência no clássico com toda tradição que ele merece, se identifica com a revolta do gênio ambientalista diante da postura de incapazes, que eu e muitos outros torcedores e apaixonados por futebol não temos.

Digam-me que sou utópica e lhes explico pra que serve através das palavras do cineasta argentino Fernando Birri:
“Ela está no horizonte, me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e no horizonte, corre mais dez passos.
Por mais que eu caminhe, nunca a alcançarei. Pra que serve então a utopia?
Pra que eu siga caminhando”.

Não vou desistir de acreditar nas pessoas que fazem do GRENAL um grandioso clássico.