sexta-feira, janeiro 04, 2008

15 Roberval bateu o pênalti

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Escrito por Rafael Severo

Momento crucial na vida de Roberval. E Roberval concentra-se. Na marca da cal, a bola o espera. E Roberval mira-lhe a forma arredondada em tom solene de desejo. O silêncio nas arquibancadas é, paradoxalmente, ensurdecedor: a aflição do grito contido, prestes a explodir, é responsável pela contradição.

Mas Roberval continua lá, impassível e indiferente a toda e qualquer periferia que o circunda neste instante. É decisão. É o título em jogo. É o jogo da vida do Roberval, do time do Roberval, da mãe do Roberval e de todos os ancestrais do Roberval.

É notória a capacidade de concentração do Roberval, craque do Morrendo de Fraqueza, time fundado por seu pai por volta de mil novecentos e "catifundas", lá nos confins do Fim do Mundo, bairro notório da Cidade dos Excluídos, capital do País dos Banguelas. E bola fora significaria um fim todo particular de mundo para o Roberval.

Roberval sabe que tem um compromisso inadiável nesse dia. Mas não lembra o quê... Tudo há de ser menos importante no momento. É pênalti. É sagrado. E fim de papo! Entre as traves, o goleiro adversário agora é mero entrave. Mera testemunha privilegiada desse momento histórico na vida do Roberval e da comunidade de Fim do Mundo. "Ah, glória, nada vai nos separar", pensa Roberval.

Com a marca registrada da confiança brilhando na testa, Roberval prepara o ato lascivo, obsceno e quase pornográfico do chute que lhe dará a consagração definitiva que o elevará aos céus, libertando-lhe o gozo - líquido e certo - do grito próprio dos vencedores. Roberval finalmente avança para a bola. Um, dois, três passos... pé esquerdo no solo, pé direito na bola e...

...no exato momento do chute, a lembrança do tal compromisso inadiável irrompe o cérebro do Roberval como um tiro certeiro disparado contra as têmporas. De repente, tudo trava. A cabeça voa, a respiração descompassa, os olhos embaçam. Um aperto no coração e no cu...

De fato, era dia de jogo, mas também aniversário da Dulce. Dulce era uma mulher de talento, irresistivelmente charmosa e indiscutivelmente bonita, com reconhecida retidão de caráter e dona de valores mais sólidos que concreto, mas Roberval era o talento do time, tinha uma perna direita dos infernos e uma frieza polar nas decisões, além de um time que dependia doentiamente dele.

Roberval era a personificação da alma do Morrendo de Fraqueza FC. Nada poderia ser mais importante que isso. A não ser o aniversário da Dulce, dona do coração do dono do time. Apesar do nome da amada sugerir doçura, ela não haveria de perdoar-lhe o esquecimento.

Roberval bateu o pênalti e errou. Jogou a bola escandalosamente por cima do gol adversário. Perdeu o pênalti e o amor de Dulce. Tudo ao mesmo tempo, no mesmo dia. Roberval caiu em desgraça. Foi o fim do mundo. Foi o fim do Fim do Mundo. O fim de um relacionamento delicioso que Roberval manteve com a deliciosa Dulce.

E hoje o que mais dói em Roberval é saber que Dulce provavelmente estará ainda melhor agora, depois dos trinta...

O Inter está repleto de jogadores na faixa dos trinta. Isso significa mais qualidade e experiência? Ou significa mais debilidade física e decadência? Com a palavra, os amigos...