“Não mostra os dentes em obra Diana”
Esse foi o primeiro conselho profissional que recebi do meu irmão mais velho, Eduardo, formado em engenharia e já com alguns pares de sapatos gastos em terra de canteiro. Tentava nesse momento fazer-me entender que peão de obra funciona assim, na pressão. Com pouca experiência acabei assimilando esta sábia frase a duras penas. Fui atropelada por diversas transgressões de obediência e convivi num clima de tortura diária na construção e seus personagens, sendo que os clientes acabavam por me dar o tiro de misericórdia.
Ficava super revoltada ao perceber que um pedreiro não me levava a sério. Eu que era a mandante, a mim que deveria prestar contas e agia como se eu simplesmente fosse um adereço montado num par de pernas, passeando por entre as alvenarias rebocadas. Um piso mal colocado permanecia do mesmo jeito por semanas, diante das minhas insistentes solicitações para que fosse refeito. Na cabeça dos bagres o pensamento era “essa aí não é de nada, vou fazer como eu sei”. Nesse caso, o sujeito da ação era um p.h.d. em água que passarinho não bebe e eu, o objeto graduado em arquitetura.
Depois de um tempo obviamente cansei dessa vida sofrida, mudei radicalmente e virei um general em campo de concentração. Falava ríspida e reagia com mínima tolerância a qualquer manifesto por parte dos subordinados. Claro que passei a me sentir mais segura, contudo, criava uma relação de inimizade com aqueles que erguem tijolos e fazem as mesmas instalações hidrossanitárias que viriam mais tarde a causar “inocentes” vazamentos na casa do cliente que, certamente, lembraria do meu nome completo e não o do Seu José. Eu tinha mudado demais, estava exagerando, me tornara antipática e assim não havia guerreiro que lutasse junto a mim. Ainda carecia de aprender a mandar, obter mais que respeito, reciprocidade. Afinal de contas, sendo eu a esclarecida, devo ter desenvoltura para tratar com pessoas de quem preciso e que, por sua vez, dependem de mim.
Com o tempo me especializei em projetos e a convivência na obra virou tarefa da minha sócia, Ana Paula, que é mestre nas relações profissionais, os manés tão indo ela já voltou há horas. Também evoluímos nos trabalhos e hoje tratamos com responsáveis que ministram as obras e eles é que falam diretamente com seus peões. Mesmo assim tenho que visitar periodicamente a construção, ver se está saindo conforme planejamos, debater com toda a equipe os problemas que vão surgindo no decorrer do percurso e conviver com momentos de diálogo multilíngue universal.
Chego na obra e conto piada dos gremistas para os mesmos, saúdo os colorados que me contam outras piadas dos gremistas. É engraçado que os gremistas quando contam alguma piada de colorado não o fazem diretamente a mim, postam-se ao meu lado e falam alto uns com os outros. Já eu, falo o quanto preciso, descontraio o necessário, não mostro os dentes em vão e, principalmente, cobro resultados com natural firmeza. Descobri que quando confiantes os serventes desenvolvem idéias criativas para problemas incomuns. Ajudam muito e sentem-se importantes, integrantes de uma equipe em missão especial. No entanto, jamais os deixo esquecerem que diante do trabalho mal feito eu “monto num porco!”. Enfim, depois de apanhar muito consegui enfiar no céLebro deles o seguinte: “faço bem feito porque gosto de trabalhar com essa galera, é de onde tiro meu sustento e porque se não ficar bom a guria vira um cão raivoso”.
Eu não tenho um super mega escritório. Não ministro palestras sobre gestão. Agora, não preciso fazer outra faculdade pra saber que jogador de futebol é igual a peão de obra. Se o Tite não tem habilidade para domá-los, contratem um empreiteiro como auxiliar técnico.
Tem que jogar a vida e temer a morte nesse grenal.