Todos os amigos sempre viram que o Netinho teria um futuro brilhante naquilo que quisesse. Mas o negócio dele parecia ser apenas trabalhar o suficiente para garantir a reunião com a galera no fim de semana. E esse jeitão do Netinho era justamente o que fazia a maioria dos seus amigos estarem sempre à sua volta. Um bom churrasco, cerveja gelada e o sagrado futebol de domingo: essas pareciam ser as únicas aspirações na vida do Netinho.
Só que, na verdade, tudo era uma questão de tempo. Às vezes os amigos debatiam, discutiam e até mesmo apostavam por quanto tempo mais o Netinho iria continuar naquela. Era visto que, mais cedo ou mais tarde, ele deixaria aquele estilo de vida. Netinho era muito inteligente, muito articulado e capaz. Tudo era uma questão de saber quando e como ele encontraria motivação para alçar voos mais altos. Pois esse momento chegou no dia em que o Netinho conheceu a Lucilene.
A Lucilene era uma mulher na qual, simplesmente, homem nenhum conseguiria botar um defeito. Morena, alta, cabelos lisos, pretos e brilhosos. Olhos verdes e lábios carnudos, daqueles que despertam os mais audaciosos desejos masculinos! Cheirosa, bah! Bota cheirosa nisso! Seios perfeitos, bumbum empinado, coxas bem torneadas e pezinhos delicados. Sua cinturinha dava vontade de passar um gel nas mãos e acariciar como quem molda um vaso em argila. Sabem aquela cena do “Ghost”? Dava vontade de fazer algo parecido na cintura da Lucilene.
Só que a Lucilene, com todo esse material que Deus lhe deu, exigia um mínimo de sofisticação. Não que ela fosse dondoca, muito pelo contrário, mas também não era para qualquer um. A verdade é que a Lucilene até podia gostar do cara gente boa, divertido, honesto e trabalhador, mas ela era o tipo de mulher que também buscava um homem para admirar, um homem com alguma ambição. Acho que, de certo modo, todas buscam.
Foi aí que o Netinho começou a se ligar. Ele não precisava perder o seu jeito humildade e seus princípios nobres. Era justamente aquela simplicidade toda do Netinho que chamava a atenção da Lucilene. Mas pra casar com a Lucilene, o Netinho precisava de um pouco mais de sofisticação. E ele foi atrás.
Deixou um pouco de lado aquele espírito adolescente de trabalhar para pagar a cerveja do fim de semana e começou a se puxar. O Netinho mudou a sua postura no trabalho e não demorou muito pra começar a ganhar melhor. E assim, começou a melhorar seu patrimônio. Trocou o Chevettão velho por um sedan japonês zero km, afinal, ficava chato sair com a Lucilene pra balada num carro ano 79, batendo lata. Logo depois, começaram algumas reformas na casa. Pra levar a Lucilene lá, não bastava um pátio com churrasqueira. Mas como o pátio era grande, o Netinho aproveitou a onda e fez uma piscina. Bem, seu eu estivesse namorando a Lucilene, eu também faria.

E a galera vibrava de alegria pelas conquistas do Netinho. Logo, logo, a Lucilene e o Netinho estariam se casando. A festa foi com tudo que os noivos tinham direito e, como o Netinho andava forrando a guaiaca, foi uma festa de luxo! A noiva chegou de carruagem numa igreja decorada com flor pendurada em tudo que era coluna e canto de banco. Na entrada, a múscia foi tocada por violinistas e uma cantora lírica que eu desconfio que fossem da OSPA. Coisa chique mesmo, de primeiro mundo! A recepção foi no salão de um desses hotéis cinco estrelas, com mais flor pra tudo quanto era lado e músicos também. O coquetel, o cardápio do jantar e as bebidas eram daquelas de filme do 007. Coisa de louco! E a galera, que sempre torceu muito pelo Netinho, tomou um porrão daqueles homéricos, como não poderia deixar de ser, para comemorar. Tem gente que até hoje diz que o casamento do Netinho foi a maior festa em que já foi na vida.
Só que o que ninguém esperava, muito menos a Lucilene, é que o Netinho fosse se viciar tanto naquele novo estilo de vida. Tudo bem, a Lucilene não queria se casar com um cara pra ficar todo fim de semana só na base do churrasco e cervejada. A Lucilene trabalhava e também estudava, vinha de família humilde e, com todo direito, queria um pouquinho de sofisticação. E claro que ela, além de se apaixonar pelo jeitão espontâneo e festeiro do Netinho, também passou a admirar seu esforço para melhorar de vida e lhe proporcionar um pouco mais de conforto. Só que o Netinho exagerou na dose, se perdeu no caminho e fez do meio, um fim em si só.
O Netinho cada vez mais mergulhava no trabalho, em reuniões infindáveis e viagens de negócios. Ficava cada vez menos tempo em casa e quando voltava, só queria descansar. Sua rotina tinha se transformado em algo extremamente estressante e, aos poucos, ele já não tinha mais tempo para os amigos e nem mesmo para a Lucilene. Só que a Lucilene, meus amigos, por mais fiel e sincera que fosse, não era mulher para se deixar sem a devida atenção. Aliás, mulher nenhuma é. Ainda mais a Lucilene...

Quando ela reclamava, o Netinho não admitia queixas. Alegava que hoje estava tudo melhor que antes, que a festa de casamento havia sido espetacular, que eles haviam viajado várias vezes para o exterior. Dizia que a casa estava sendo reformada e ele nem mesmo havia concluído todos os seus projetos. Ainda tinha que trabalhar muito para angariar mais dinheiro para concluir as obras. Todas aquelas melhorias tinham um custo e, por isso, ele não poderia parar. Porém a Lucilene não pedia para ele parar com tudo, só reclamava por um pouco mais de atenção.
Mas assim como o Netinho e a Lucilene às vezes discutiam, seus amigos também. E não havia unanimidade quando o assunto era o Netinho. Alguns se preocupam, falavam que o Netinho tava se perdendo, deixando de ser quem ele era e correndo o risco de perder a Lucilene. Outros dizem que não, que ele estava melhor que antes. Alegavam que de nada adiantaria ele continuar o resto da vida daquele jeitão adolescente. Que se ele hoje tinha a Lucilene, é porque mudara e mudara para melhor. Não concordo nem discordo muito de ninguém, só acho que o Netinho tinha que achar um meio termo. Acho que o grande equívoco do Netinho foi passar a pensar que sabia o que era melhor para a Lucilene, só que, nesse momento, ele parou de ouvi-la.
Domingo à tarde eu fui lá visitá-los. Tava ruim pra sair de casa, por causa de toda aquela chuva, mas eu fiquei sabendo que a coisa não andava muito bem e resolvi aparecer, pra ver se podia ajudar em algo. Se eu também ia nas festas, não vou deixar de ir agora, quando as coisas não vão tão bem. Só que a minha visita não foi bem sucedida. É que o Netinho tava dormindo, nem consegui falar com ele. A Lucilene me disse que, no sábado, ele havia ficado até tarde na rua, numa reunião com empresários, num negócio de exportação em que ele tá envolvido. A Lucilene me falou, quiexosa, que é só nisso que o Netinho pensa ultimamente. Ela tava meio chorosa, disse que o Netinho levantou tarde, almoçou pouco e voltou pra a cama. Não gostei nada do que vi. Um na cama, a outra chorando, maior clima de 0 x 0. Vi umas malas num canto, não sei pra quê. Também não quis perguntar. Talvez o Netinho vá viajar a negócios. Talvez a Lucilene...
Não sei, não. Mas a coisa não tá legal lá na casa do Netinho. Falei com outros amigos que me disseram que já tentaram ir lá, pra falar com ele, mas também não conseguiram. Celular ele não atende mais. Dizem que pra falar com o Netinho, hoje em dia, só por e-mail e olhe lá. Tudo muito frio, tudo muito distante. Acho que a Lucilene também tá sentindo isso. E não sei se ela não vai acabar indo embora. Tô bem preocupado!
Será que o Netinho não tá se dando conta de que foi por ela que ele mudou? Que se ela for embora, nada disso terá feito o menor sentido? Se pelo menos ele ainda escutasse os amigos...
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