terça-feira, setembro 01, 2009

16 30 Mil Daltônicos

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Por um instante, eu pensei que era daltônico! No último domingo, vi Índio, Bolívar e Eller compondo a zaga, de vermelho. Mas, no ataque, Fernandão e Iarley, só que de verde! Sinceramente, acho que cerca de 30 mil colorados também se sentiram assim nas arquibancadas do Beira-Rio.

Desde que eu soube que Fernandão voltaria para o Brasil, logo fiquei sabendo que Fernando Carvalho havia feito contato com ele. Deduzi, na hora: tá voltando! Todas as inúmeras declarações de admiração e respeito feitas entre ambos ao longo dos últimos anos indicavam para isso. Eis que, numa noite de segunda-feira, quando menos se esperava, Fernandão é anunciado como novo reforço do Goiás!

Não bastasse isso, aquela notícia bombástica ainda veio acompanhada de um desentendimento estranhíssimo, que se tornou público através de declarações em blogues, notícias na internet e sua consequente repercussão na imprensa esportiva. Pois de todo aquele imbróglio, tirei duas essenciais conclusões.

A primeira é a de o Inter não quis o retorno de Fernandão. Não com a intensidade de quem adota uma prioridade e vai atrás dela com toda vontade. Afirmo isso porque acredito que quem realmente quer e pode, consegue. E eu não tenho a menor dúvida de que o Inter poderia ter recontratado Fernandão. Condições pra isso não lhe faltavam. Mas não quis.

Sei que pode ter havido falhas na comunicação. Sei que Fernando Carvalho estava viajando para a Suruga. Sei que havia jogadores afastados do grupo e se tentava apagar o fogo de uma crise no vestiário. Todo mundo sabe bem das lambanças ocorridas na metade do ano. Ocorre que se a volta do Fernandão fosse realmente importante, essencial, unânime para o Departamento de Futebol do clube, nada disso teria sido empecilho. Pois se o Futebol Colorado realmente quisesse Fernandão de volta, não teria deixado margens à uma falha na comunicação.

É importante frisar que em nenhum momento estou julgando se a Direção do Inter tinha ou não o dever de querer o Fernandão de volta. Quem tem esse direito de escolha são os homens que hoje comandam o clube, com o aval de mais de 90% dos votos dos sócios em dezembro de 2008. Não estou questionando a escolha em si, apenas identificando como ela se concretizou.

Mas a segunda conclusão a que cheguei foi a de que Fernandão também não soube assimilar essa hesitação de seus ex-dirigentes e, desse modo, se precipitou. Fernandão foi precipitado ao assinar com o Goiás ainda no mundo árabe. Provavelmente, acertou tudo por e-mail. Foi precipitado ao afirmar que uma de suas casas lhe fechou as portas e foi precipitado ao dizer que não foi tratado com o respeito que imaginava ser merecedor.

Mas também aqui, não vou julgar meu ex-capitão. Embora eu faça essas constatações a respeito da sua conduta, quero dizer que entendo o lado humano do ídolo. Nós, torcedores, fãs, às vezes tendemos a nos esquecer de que eles também são humanos.

Fernandão ama o Inter e isso me parece absolutamente cristalino e irrevogável. Tenho certeza de que não fui só eu e/ou milhares de torcedores que tiveram uma percepção imprecisa das cores no Beira-Rio, na tarde/noite de domingo. Tenho a convivção de que Fernandão também ficou daltônico.

Saudado pela torcida colorada ao ter seu nome anunciado pelo sistema de som e estampado no placar digital, ao entrar no gramado da sua casa gaúcha, Fernandão recebeu o abraço de seus ex-companheiros. Não posso imaginar o tamanho da confusão que se processou na cabeça do maior levantador de taças da história do Sport Club Internacional!

Quando a bola começou a rolar, ele estava amarrado, ele estava incomodado, ele tentava se desvencilhar daquele monte de coisas esquisitas e fora do lugar. E foi assim, quase que num ato de desespero de quem luta contra a ordem natural das coisas que Fernandão jogou seu corpo para trás com os dois braços abertos, numa posição de quem está tão na defensiva, mas tão na defensiva, que acaba se tornando um agressor. E saiu expulso.

Foi estranho, foi esquisito, foi esdrúxulo. Mas, aos poucos, as coisas pareciam voltar ao seu lugar. Iarley continuou em campo, segurando a bola, trocando passes, tentando ações ofensivas. Só que Índio, Bolívar e Eller estavam lá, no lado certo, com as cores certas. E ao ser substituído, no segundo tempo, Iarley, assim como mais cedo havia sido Fernandão, igualmente foi saudado pela torcida colorada. Nada mais justo, nada mais emocionante. Eu senti um nó na garganta. E amanhã tem mais!

Amanhã, mais um ex-colorado, Campeão da América, vai entrar no Beira-Rio, jogando no time adversário: Rentería. Mais uma vez, a lembrança de seus lances irreverentes, seus gols espetaculares e, principalmente, das suas comemorações, voltarão à mente da torcida. Depois de ganhar a simpatia da massa, dançando seu divertido “ruque-raque”, Rentería alcançou identificação máxima com os colorados, homenageando um de seus símbolos, imitando um saci após cada gol. Rentería, o Saci Colorado, demonstrou uma sensibilidade aguçada e um respeito muito grande ao folclore e a cultura de um povo.

Mas, enfim: correm os anos e surge o amanhã. Pois o amanhã da vez atende pelo nome de Marquinhos e é por ele que estaremos torcendo nesta quarta-feira. Só espero que por ele, ainda possamos vibrar alguns anos com a camisa vermelha. E, de preferência, que se consagre como ídolo colorado, mas nunca retorne ao Beira-Rio com outra camisa. Pois toda vez que um grande jogador se vai, não é só a saudade de seus lances que fica, mas a incerteza de quais as cores ele vestirá num futuro nem sempre tão distante.


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