sexta-feira, outubro 26, 2007

39 Paternidade x paternalismo

39
ESCRITO POR RAFAEL SEVERO

Há uns anos atrás, escutei uma entrevista sensacional no Camarote da Band, programa apresentado pelo jornalista João Carlos Belmonte, nos finais de semana. O entrevistado em questão era o Dadá Maravilha, artilheiro implacável, oitocentos e tantos gols na carreira, ex-ídolo colorado e de várias outras torcidas Brasil afora. A parte inicial desta entrevista é simplesmente antológica, imperdível e emocionante.

Dadá iniciou a narrativa falando da mãe. Ele revelou que ela tinha problemas mentais sérios. Moravam numa vila da periferia de Belo Horizonte e numa dessas tragédias familiares tão comuns em nosso país, tiveram o barraquinho em que moravam incendiado. Dadá tinha cerca de cinco anos de idade e estava dentro do barraco, em meio às chamas mortais. Sua mãe não hesitou e literalmente lançou-se dentro da fogueira para salvar o filho. Saiu do inferno ardendo em fogo e com o pequeno Dadá no colo. Antes de tombar para a morte, ela ainda teve a lucidez de lançar o filho numa poça d`água que vislumbrara segundos antes no chão batido da rua.

Confesso que fiquei com os olhos marejados com a narrativa simples e emocionada do Dadá, ou melhor, do rei Dadá. Rei dos gols. Rei de simplicidade. Rei da vida, enfim, um vencedor.
Não fosse o ato de coragem da mãe, talvez Dadá não tivesse jogado pelo Colorado. Talvez não tivesse jogado em time algum. Talvez nem tivesse existido pra fazer história. Talvez não soubéssemos que há apenas três coisas param no ar: helicóptero, beija-flor e, claro, o Rei Dadá.

Mesmo uma mulher com limitações mentais crônicas pôde em dado instante manifestar seu instinto materno. Eu sempre me questionei se realmente existe o tal de instinto materno.
Discorrendo sobre o assunto com uma grande amiga, eu sugeri não existir tal predicado no ser humano, mesmo na condição sagrada da maternidade, pois do contrário, não veríamos novos casos diários mães abandonando seus bêbes, parindo em privadas para em seguida dar-lhes descarga, jogando-os em riachos e mais uma infinidadade de barbaridades inomináveis. Sempre ponho em dúvida a arte suprema do amor materno incondicional, mas não nego também que não há amor que o supere, quando exercido na plenitude. A mãe, quando se apega ao seu "bichinho", é insuperável e insubstituível. E prova disso é a mãe do Dadá.

Onde quero chegar? Pois é, eu quero colocar que invejo essa capacidade das mães em relação à proteção dos filhos, pois como bom pai que pretendo ser para meus filhos, gostaria de ser dotado dessa capacidade de amar quase heróica das mulheres em relação às crias. Seria eu capaz de pretenciosamente criar um novo paradigma, assim, de exercer um instinto "paterno"? É que eu estou me vendo quase que no dever cívico de exercê-lo, para o bem dos meus filhos. Um exemplo: minha filha completou 6 anos recentemente e digo que até o início do ano passado ela simpatizava com as três cores do Recreativo da Azenha.

Eu, que defendo o livre arbítrio e a diversidade de opiniões, não me opus à "excentricidade" da minha pequena. Tampouco procurei mostrar à ela o quão melhor seria torcer pelo time de vermelho. As coisas foram se encaminhando, o Colorado foi se destacando e, de repente, ela estava cantando músicas da torcida do Colorado, estava reconhecendo o Fernandão pelas madeixas e gostava bastante do Iarley.

Digo que não fiz a mínima força pra ela virar de lado. É claro que talvez o fato de eu vestir a camiseta colorada a todo instante, cantar o hino do clube e voltar feliz do estádio contribuiu para que ela abandonasse de vez o lado negro da força. Inclusive, há coleguinhas no colégio que a todo momento entoam o refrãozinho do hino tricolor. De fato, é um sonzinho simpático, simples de cantar e que "cola" mesmo no interior da "cachola". E não importa se é festinha de aniversário, saída do colégio, reunião em grupo, lá estão elas entoando esse mantra doentio. É, reconheço que as provações não têm sido fáceis para minha filhinha.

Meu segundo filho está para chegar agora, no mês de novembro. E já esclareço que em face das preocupantes pesquisas recentes sobre número de torcedores, eu me vejo na obrigação cívica de, este sim, doutrinar desde o berço. Não darei chance ao azar. Vou abrir mão da democracia e transformar minha casa num reino absolutista. O guri vai ser colorado, custe o que custar! Vou execer minha paternidade, instinto ou sei lá o quê. Fazer meu papel de pai colorado.

Estou falando de paternidade, não de paternalismo. Se criou uma onda de que não se pode criticar o campeão do mundo e quem o faz é ridiculamente taxado de corneteiro e, acreditem, de gremista infiltrado.

Foi em nome do dito paternalismo que estamos padecendo no inferno esse ano. Paternalistas entendem que o Clemer deve ser o titular até o fim do ano, pois afinal ele é campeão do Mundo. Foda-se se tem alguém melhor no banco! É o Clemer, colorado, campeão do Mundo, nosso herói, u-hu!!! Diria que o Clemer é o nosso Macunaíma, herói sem caráter. Paternalistas abonam as barbaridades do Abelão, pois afinal ele também é campeão do Mundo! Paternalistas querem o Índio de titular eternamente. Enfim, paternalistas são oficialistas cegos e pregam a continuidade de tudo que aí está, em nome do título mundial. Como diria o Gil, só não vale dar o cu!

Bem, saindo do paternalismo e voltando ao exercício da minha paternidade. Se meu filho driblar toda minha carga persuasiva e mesmo assim insistir em torcer pro Recreativo da Azenha vou, democraticamente, dizer-lhe o seguinte:
- Tu quer mesmo ser gremista? Tudo bem, guri! Mas tu vai trabalhar pra sustentar teu vício!