terça-feira, outubro 28, 2008

38 Minha Essência

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Imaginem uma criança, um menino, na faixa dos 10, 12 anos de idade. Pra quem tiver um assim na família, fica mais fácil. Pra quem não tiver, pense no filho de algum amigo, de algum vizinho, qualquer um serve, por mais pentelho que seja. Quem ainda não tiver conseguido vislumbrar a figura, lembre-se da sua infância ou, no caso das gurias, de algum irmão, primo ou coleguinha da escola.

Bueno, tudo isso pra dizer que eu, com essa idade, já colorado devidamente identificado, nunca havia visto o Inter ganhar nada de expressão. Quando eu tinha 12 anos, o Inter amargava quatro anos sem títulos. Nem Gauchão, hein! E, pra piorar, quando o Inter estava chegando perto de um título, morria na praia. Foi assim contra o Flamengo, foi assim contra o Bahia e foi assim contra o Olímpia.

Essa época de vacas magras somente viria a ser interrompida em 1991, com a Copa Governador do Estado, título que eu vibrei como sendo uma grande conquista. Lembro-me desses tempos e não consigo imaginar como se sente um guri colorado, hoje, com seus 12 anos.

O que posso dizer é que após tantos anos de sofrimento na infância e adolescência, um simples jogo de maior expressão tornava-se, pra mim, algo mágico! Foi assim o Brasileirão de 2000. Um time recheado de garotos da base (Lúcio, Leandro Cuerreiro, Fábio Rockemback e Diogo Rincón) eliminou o Atlético/PR em sua recém inaugurada Arena da Baixada e disputou as quartas-de-final do Brasileirão com o Cruzeiro no Mineirão. Como na minha infância, não ganhamos, mas pelo menos voltávamos a chegar perto. Creiam, pra mim, àquelas alturas, já era uma grande coisa!

Em 2003, outro time de garotos (Nilmar, Diego e Daniel Carvalho) começava o ano desacreditado e quase acabou na Libertadores, embora, verdade seja dita, era melhor ter chegado à última rodada daquele Brasileirão sem chances do que levar aqueles cinco do São Caetano. Mas, vá lá! É caindo que se aprende a caminhar.

Em 2004, um jogo oficial contra o Junior de Barranquilla. Aquele jogo mexeu comigo. As lembranças mais recentes de disputas internacionais oficiais eram da Libertadores de 1993, algo para se esquecer. Então, 11 anos depois, o Inter voltava a ser internacional. Isso que ainda tinha aquela bobagem dos gremistas nos chamarem de intermunicipal ou inter regional. Não sei se a gurizada de 10, 12 anos de hoje se lembra disso.

Depois de várias decepções (a pior delas a de 2005, com Luiz Szweiter no tapetão e Márcio Resende de Freitas no gramado), ao menos tínhamos, de novo, uma Libertadores por jogar. A caminhada de ascensão no cenário futebolístico, embora ainda desprovida de títulos de expressão, continuava. A cada jogo, a cada novo adversário, eu, aquele menino colorado sofrido, me sentia mais orgulhoso, mas realizado, mais confiante. No meu íntimo, eu desafiava a seqüência trágica dos últimos anos, desafiava as marés e não temia a praia.

Pois foi justamente ao pisar na areia que nos deparamos com o grande desafio, a finalíssima contra o detentor do título continental e mundial, São Paulo. A interrogação antes do primeiro jogo era, tão-somente, quantos gols de vantagem os paulistas fariam. Mas nessa onda de favoritismo absoluto do adversário, vi o Inter jogar como um time grande tal qual eu jamais havia visto e nem vi mais desde então.

Aos 16 de agosto de 2006, ao entrar no estádio senti que, o que quer que acontecesse nas horas seguintes, o resultado jamais influenciaria no meu jeito de ser, na minha paixão, no meu sentimento, no meu espírito colorado. Eu já havia sofrido demais, eu já havia perdido demais. Eu já tinha estado no Beira-Rio lotado e num Beira-Rio deserto. Eu já tinha sido vítima de toda sorte de gozações em se tratando de futebol, mas continuava lá, firme, forte e com fé.

Muitos já não conseguiam mais me acompanhar. Após a vitória no Morumbi, um grande amigo colorado me disse que não iria ao jogo, pois já conhecia a história. O quadro de mais uma tragédia colorada estava pintado e ele não queria mais fazer papel de figurante. Muitos pensavam assim e eu, embora continuasse desafiando o destino, não os condenava. Mas apesar disso tudo e apesar dos pesares, ganhamos a Libertadores. Aquela noite fria e gelada no estádio passou e, quando vi, eu já estava numa tarde quente e seca, para acompanhar a chegada do time Campeão do Mundo à sua casa.

Fim de festa e, ao pisar as pedras do estacionamento, vi que tudo continuava igual. Igual a antes, igual ao tempo em que eu tinha 12 anos. Aquele orgulho, aquele deslumbramento de ver o Inter jogar contra times estrangeiros, de viajar a novos destinos e de conquistar a América e o mundo, não me tornou presunçoso a ponto de achar que eu passara a ser melhor nem maior que ninguém. Nem eu, nem nenhum outro torcedor, nem meu time, os jogadores ou quem quer que fosse se tornou super poderoso ou sobrenatural. Continuamos humanos, de carne e osso, filhos de Deus, com nossos defeitos e nossas limitações. Pois foi assim, com essa consciência e com essa humildade, que vimos nosso time ganhar o mundo.

Além disso, não me esqueci dos anos em que passei sendo subjugado, subestimado. Aliás, de tempos em tempos, ainda ouço cânticos que expressam uma discriminação que nós, colorados, carregamos conosco desde a origem, e com a qual, por certo, ainda teremos que conviver durante muito tempo. Aqueles que viram o Rolo Compressor, seguramente sabiam das dificuldades de jogadores que, por muitos anos, só podiam disputar a Liga da Canela Preta. Os que viram o time da década de 70, sabem das dificuldades por que passamos nos anos anteriores e no período em que se ergueu um gigante sob as águas do Guaíba.

Espero que essa mesma consciência esteja sempre presente na mente dos colorados, pois quero vê-la nas arquibancadas, quero vê-la nos vestiários e quero vê-la no gramado. Mas, mais que isso, quero ver essa consciência no Gabinete do Presidente. Se não agora, em 2009.