terça-feira, outubro 28, 2008

29 A Crise de 1928

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Segundo uma matéria de Carla Wendt, Jaqueline Vargas e Tatiana Vasco ( http://tatianavasco.blogspot.com/ ), Cláudio Dienstmann afirmou que, em 1928, quando o Internacional contratou seu primeiro jogador reconhecidamente negro, Dirceu Alves, o clube teria perdido vários sócios, descontentes.

A afirmação polêmica de Dienstmann é esta:"Segundo Dienstmann, com a contratação de Alves, metade do quadro social do Inter foi embora. O argumento era que Alves estava recebendo da Prefeitura para jogar, mas o jornalista acredita que o motivo foi o fato de ele ser negro. 'Ele era humilde e necessitava realmente de ajuda. O que ele recebeu, na verdade, foi uma fatiota', salienta."

Vamos aos fatos. Em 1928 o Internacional correu sério risco de desaparecer, e realmente perdeu um grande número de associados. Porém, a crise atingiu o clube desde o início do ano, marcado por várias derrotas e goleadas sofridas. E Dirceu Alves ingressou no Internacional apenas no 2º semestre, quando a crise começava a ser controlada. Começa aí a desmoronar a hipótese de que ele foi a causa da crise. Quanto ao fato de receber para jogar: na época vigorava o amadorismo, oficialmente nenhum jogador podia receber para jogar. Se essa crítica tivesse aparecido (mesmo como desculpa para abafar o racismo), o jogador teria sido investigado e banido da liga, como já havia acontecido com outros atletas, brancos. De mais a mais, um "profissionalismo marrom" já existia, com jogadores recebendo salário de forma clandestina. No próprio Internacional, o centroavante uruguaio Donaldo Ross era um caso, e nenhum sócio se ofendia com isso.

A estréia de Dirceu Alves, em 02.09.1928, sequer recebeu atenção especial da imprensa da época (bem diferente do que aconteceria com o Grêmio, em 1952, quando a direção teve de publicar uma nota justificando a contratação de Tesourinha, e sócios e ex-dirigentes gremistas lançaram outra nota, criticando a contratação). O que mais chamou a atenção foi a vitória colorada por 7x0 sobre o Concórdia, que parecia colocar novamente o time rubro na normalidade.

Outro problema, bem mais sério, afetava a vida política do clube, e Dienstmann parece ter esquecido: a venda do campo da Chácara dos Eucaliptos. O Asilo Providência, proprietário do terreno, colocou o mesmo à venda, por 40 contos de réis, concedendo ao Internacional a preferência da compra. O valor era elevado, mas a direção colorada recorreu a uma família de peso, os Chaves Barcellos, que além de colorados, tinham dois membros jogando no clube. Os Chaves Barcellos aceitaram emprestar o valor, a juros baixos, prazos longos para pagar, e provavelmente sequer cobrariam a dívida.

Na Assembléia Geral (na época os sócios reuniam-se para decidir os assuntos mais importantes) marcada para oficializar o empréstimo e a compra do terreno, Antenor Lemos, a maior liderança colorada da época, considerou o valor muito caro para um terreno, avaliou que o empréstimo comprometeria as finanças do clube, e que o Internacional precisava se preocupar em conquistar vitórias esportivas, não um patrimônio material. A vitória do grupo de Antenor Lemos, na Assembléia, fez com que várias lideranças coloradas, como Arquimedes Fortini e provavelmente os Chaves Barcellos, saíssem do clube, levando consigo muitos sócios. Ou seja, a crise não foi causada pela contratação de um atleta negro, e sim por uma votação que dizia respeito à sobrevivência do clube (e que foi anterior a Dirceu Alves).

A vitória de Antenor Lemos só agravou a crise do clube. Correndo o risco de ser despejado de seu campo, sem dinheiro, e perdendo vários associados, a situação ficou insustentável. O mesmo Antenor Lemos, em outra reunião, chega a sugerir a extinção do clube. E isso poderia ter ocorrido, se não fosse um outro colorado que logo tornaria-se um líder maior que Antenor Lemos: Ildo Meneghetti.

Ildo Meneghetti conseguiu negociar um prazo com o Asilo Providência, para que o Internacional continuasse usando a Chácara dos Eucaliptos por mais um tempo, obteve o terreno para a construção de um novo estádio (o Eucaliptos) e acertou uma forma de pagamento que o clube pudesse cumprir. Assustados com os rumos que a crise havia tomado, muitos apoiadores de Antenor Lemos mudaram de idéia e não boicotaram os acordos feitos por Meneghetti. O próprio Antenor Lemos, em março de 1929, doou 2 contos e 500 mil réis para a construção do novo estádio. Mas a crise política estava longe de acabar (embora o risco do clube desaparecer fosse debelado).

Em 1929 Ildo Meneghetti tornou-se presidente do Internacional, enquanto Antenor Lemos dirigia a Federação Riograndense de Desportos (atual FGF). E os desacertos entre os dois aprofundam-se. Primeiro, no início de 1929, por iniciativa colorada, foi extinta a “Lei do Estágio”, que praticamente inviabilizava as transferências de jogadores. Antenor Lemos foi contra o fim da Lei. Em abril de 1929, os principais clubes de Porto Alegre fundam uma nova liga, a Associação Metropolitana Gaúcha de Esportes Atléticos (AMGEA), mas Antenor Lemos não aceita a filiação da nova entidade e mantém na FRGD a antiga Associação Porto-Alegrense de Desportos (APAD), que ficou composta apenas por Cruzeiro, São José e Porto Alegre.

A situação agravou-se mais em novembro de 1929. Antenor Lemos convocou jogadores do Internacional para a Seleção Gaúcha, mas o clube recusou a atender a convocação, pois não fazia parte da FRGD. A tensão subiu a níveis intoleráveis, com críticas pesadas ao clube e sua direção. No dia 23.11.1929, em Assembléia Geral, os sócios colorados decidiram declarar Antenor Lemos “o pior inimigo que o clube jamais teve”. O afastamento de Antenor Lemos do clube trouxe de volta a maioria dos sócios que haviam saído em 1928.

Que motivo teria levado Antenor Lemos a adotar uma posição tão radical, em relação a compra da Chácara dos Eucaliptos? A hipótese mais provável é que esta medida, sendo aprovada, fortaleceria, e muito o grupo ligado a Arquimedes Fortini. A posição de Antenor Lemos teria sido, acima de tudo, política, no sentido de enfraquecer o grupo de Fortini. Mas as coisas saíram do controle, e Antenor Lemos quase matou o Internacional. Famoso por sua teimosia, não conseguiu rever sua posição e entrou em rota de colisão com o clube, em 1929. Nos anos 1930 e 1940 voltou a ter uma relação menos conflitiva com o Colorado, mas sem jamais ter qualquer expressão política na entidade. Virou apenas mais um torcedor, e não muito bem visto pelos demais colorados.

Portanto, apesar de sobrarem lacunas nesta história, existem indícios de sobra para afastar a hipótese de que a contratação de um jogador negro tenha sido o motivo da crise colorada, e sim questões políticas internas ao clube. Desconheço as fontes de Dienstmann para chegar à sua conclusão, mas analisando os jornais da época, e as obras existentes sobre o Internacional, não encontro motivos para chegar a tal hipótese. Somente as atas das reuniões de diretoria e das Assembléias Gerais do período poderiam jogar uma luz sobre o assunto, mas ao que parece tais materiais estão perdidos. Também ocorreram algumas reuniões de sócios, convocadas via imprensa, mas das quais não sobrou relatos. De qualquer forma, isso também foi antes da contratação de Dirceu Alves.