quinta-feira, outubro 16, 2008

78 O mundo ao revés

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Havia uma época em que não existiam notas fiscais, recibos, investimentos, bolsa de valores. Tudo se firmava pela palavra. Nada valia mais do que a palavra. Uma vez dita, era tomada como registro oficial. Dinheiro era algo que se podia tocar, não havia ações. Antes mesmo da moeda o valor de troca eram quantidades de sal, daí surgiu o termo salário.

Nessa época as pessoas cultivavam relações francas, ainda que algumas, nem tanto. Existiu escravidão, exploração e censuras religiosas. Caçaram bruxas, dizimaram a África, descobriram a América e aqui, hoje, estamos nós.

Tem uma história ótima do escritor uruguaio Eduardo Galeano. Quando criança, disseram-lhe durante a aula que Nuñez de Balboa havia sido o primeiro a vislumbrar os dois oceanos, Atlântico e Pacífico. O pequeno prodígio ergueu o braço perguntando: Os índios que lá viviam eram cegos?

Precoce Galeano, idealista de um mundo em seu lugar, que vive ao revés. Como pode alguém descobrir uma coisa que já existe? E todo mundo aprende na escola o que é o “descobrimento”. Só se foi a descoberta de alguma bunda de índia, mas aí, bundas me mordam!
(né Fabiano)

A história registrou duas guerras mundiais, os Estados Unidos firmaram-se como a grande potência, bolsas de valores crescem, tornam-se o grande centro do dinheiro no mundo e, ironicamente, o dinheiro não é dinheiro, são títulos. A maior concentração financeira que decide o destino do mundo vive de especulação, palavra então destinada a definir de maneira elegante: boato, fofoca.

Passada mais da metade do ano de 2008 e a grande potência sucumbe por suas próprias pernas, idéias, armas e seus fins - que não justificam os meios. O principal candidato à eleição presidencial no país é um negro e poderia ter sido uma mulher, ambos casos inéditos. Por décadas o país merecedor do ódio que expele os nervos de uma criança mirando seu algoz violento, encontra-se hoje a cerca da minha simpatia. Porque, incrivelmente, o sucessor deste deve ser outro, onde bebês (meninas) são assassinadas pelos pais, onde jornalista é preso por falar, o cidadão humilde recebe pouco e trabalha mais, sustenta a máquina do estado que lhe amordaça, ainda que um pouco lhe conceda e, o mais bizarro, os caras conseguem bater em monge. Posso acordar um dia exclamando, que saudade do americano.

As coisas acontecem e a gente se cala. É o milênio dos tapinhas nas costas. Todo mundo acha normal omitir, dizer uma coisa e depois fazer outra, chama-se a geração do descompromisso. Não é necessário explicar-se de nada. É até chato isso. Parece coisa de gente carente. Pra ser descolado tem que ser quietinho e depois fazer cara de quem não entende o porquê de tanta agressividade. Hoje em dia, a gente pede desculpas pela franqueza. Me desculpe a franqueza... Como se ser franco fosse algo ruim.
Hoje em dia torcedor acha patético o discurso do time que diz “ainda lutamos por vaga na Libertadores”, como se bom fosse ouvi-los dizendo “azar do próximo jogo, já era”. Pensando bem, o mundo sempre teve de cabeça pra baixo, pois ainda existe, como falei no início, escravidão, exploração e censuras religiosas. A África não levanta e se tiver que ser normal pra fazer parte de tudo que tá ao contrário, eu prefiro ser bruxa.

Que loucura, não te parece ridículo?