sexta-feira, abril 11, 2008

81 Seu Arno

81
ESCRITO POR RAFAEL SEVERO

Na manhã da sexta-feira, dia 28 de março, ao abrir a porta do meu apartamento pra ir trabalhar, senti um cheiro de merda insuportável; um cheiro violento de fossa impregnado nas paredes do interior do prédio onde eu moro. Um cheiro tão marcante que, passadas exatas duas semanas do ocorrido, ainda está malditamente gravado na minha memória olfativa.

- Blaarrrrggggg!!!! Pensei assim que abri a porta. Olhei em volta a procura de algum foco que denunciasse a origem da podridão e, como não encontrei, fui pro trabalho.
À noite, voltei pra casa na esperança do cheiro ter se dissipado. Que nada! Ele estava lá ainda. E o dia de calor fez com que estive mais azedo. Desgraçadamente, o odor invadiu a sala do meu apartamento e já começava a se instalar nos quartos. Comer já era tarefa para os bravos. Dormir, idem. Aquela noite foi de pesadelo.

Na manhã do sábado, dia 29 de março, ao abrir a porta do meu apartamento pra ir jogar futebol com o pessoal do Blog Vermelho (Salve, Gonça!), senti o mesmo cheiro de merda insuportável do dia anterior. Aliás, o que era cheiro já se transformara em caso de polícia. Mas fui pro jogo! E voltei do jogo, e a merda do cheiro de merda ainda estava lá.

Seu Arno era um senhor de 75 anos e quase dois metros de altura. Era meu vizinho de porta e vivia sozinho. Era um tipo de origem germânica, branco como cera e de olhos azuis. Era gordo também. Pois bem, seu Arno era cheio de manias e preconceitos. Seu Arno ficou louco quando descobriu que uma família de negros se mudaria pro prédio. "- Viram que vem uma "negadinha" pra cá?" Disse-nos Seu Arno, em tom fúnebre.

Seu Arno tinha um vício semanal: ninfetas de aluguel. Praticamente toda semana encontrávamos o velho com uma "amiguinha" diferente. Ao entrar no elevador ele nos cumprimentava e a "prestadora de serviço", via de regra, abaixava o rosto ou o escondia entre os cabelos. E assim seu Arno curtia a aposentadoria. Aliás, a última vez que vimos seu Arno ele estava entrando em seu apartamento com uma de suas "amigas"...

Mas o que tem a ver o cheiro de merda com o seu Arno? Explico: no sábado, dia 29 de março, à noite, não agüentamos e acionamos o síndico do prédio pra tomar alguma providência. Ele nos disse que o cheiro vinha do apartamento do seu Arno. E, de fato, moscas varejeiras azuladas, enormes, saíam por debaixo da porta do apartamento do velho. Pensamos no pior, obviamente.

O síndico ligou para os bombeiros, que pediram para acionarmos a Brigada Militar. Essa levou cerca de meia-hora até chegar. Policiais tomaram conta do corredor. Alguns tinham coletes, máscaras e escopetas. Outros analisavam a porta fétida. Chamaram o corpo de bombeiros e estes arrobaram a porta do seu Arno. Agora eu pergunto: alguém já viu o filme Seven? Pois a cena que seguiu parecia ter saído do filme. O cadáver do seu Arno estava estirado no chão da sala, de barriga para baixo. O inchaço triplicou o tamanho do seu Arno, tornando-o gigantesco. Sua pele parecia um plástico esticado e roxo. O "presuntão" vestia apenas a cueca. A casa do velho Arno era a imagem do inferno.

Mais tarde soube-se que seu Arno tinha problemas cardíacos, com três pontes de safena e tal. Aí matamos a charada entre nós: provavelmente seu Arno tenha sido morto pela putinha, ainda que involuntariamente, claro. Ele provavelmente consumia Viagra pra sustentar o vício e naquela semana derradeira o coração do velho não resistiu mais uma dose... Ele tinha o telefone ao lado do corpo, sinal de que ainda tentara salvar-se.

Possivelmente seu Arno tenha sido vitimado pela Juventude da garota. Também pudera, seu Arno estava longe de ser um cara Atlético.

Após o ocorrido, algumas reflexões impregnaram minha mente tal o cheiro pestilento do cadáver do vizinho. Clichês, como por exemplo, a nossa fragilidade diante da vida; o valor demasiado que empregamos aos prazeres mundanos, a nossa busca obcecada por bens materiais e realizações fugazes. E uma constatação: cheiramos à merda, muita merda.

Abraços, sorrisos, porres, conquistas, tristezas profundas, títulos do nosso Colorado. Tudo, enfim, evapora-se. Tudo, absolutamente tudo, tem fim, tem data de validade. Além do mais, se até os Imortais morrem seguidamente, porque o seu Arno não pode?

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Alguns apartes:

1) Parabéns aos três novos bloguistas do BV, Thiago, Daniel e Davi. Vocês chegaram aqui por mérito. Sejam bem-vindos e que sejam felizes aqui na Louisland. Aliás, fiquei particularmente feliz por saber que o Thiago Marimon escreverá aqui. Ele é um dos comentaristas "jurássicos" aqui do BV. E eu sou o último dinossauro da primeira leva de bloguistas, escolhidos (sem votação) pelo Louis, ainda no ano da graça de 2006. (Salve, Gabiru!)

2) Diana, respondendo tua pergunta no meu post anterior, digo-te que a Amábile está ótima. Cada dia mais linda e teimosinha. Claro, ninguém é perfeito. E minha filha não foge à regra. hehe Vez que outra ela me pergunta sobre a moça do churrasco. Abraço.

3) "Ducarai" as camisetas BV, elaboradas pelo Louis.

4) Aos que preferem o Tinga ao Mineiro, digo que se pudéssemos trazer apenas um, também preferiria disparado o primeiro, ainda que o segundo seja meu amigo. Mas digo também que eles não são da mesma posição. O Tinga joga de terceiro e até quarto do meio-campo. Já o Mineiro restringe-se à primeira primeira e segunda "volâncias". Mas não nos preocupemos com isso, pois o sapiente Nelson já descartou totalmente o Mineiro. "Esse não serve!" Bom mesmo deve ser o "genial" Edson Gaúcho...