Como já é de praxe, inicio meu texto pedindo perdão. Sendo assim, peço perdão aos corneteiros, pois não bradarei injúrias contra as figuras do ex-técnico Fanfarrão e do Alex "Dodói". Peço perdão aos beatos, pois não exaltarei em cânticos de louvor as imaculadas imagens do Pai Abelão Todo-poderoso nem do misericordioso Alex nosso de cada dia. Peço um perdão todo especial aos fiéis tarados de plantão, pois não poderão me dar nota máxima na estrelinha lá de baixo: hoje não escreverei sacanagem alguma. Ah, e um perdão protocolar aos hipocritamente corretos, pois não poderão me dar a nota mínima na estrelinha lá de baixo: já disse que hoje não escreverei sacanagem alguma, porra!
Pois bem, hoje falarei do assunto da moda: os ídolos. Fazer o quê, né? Culpa do Fernandão! No entanto, não falarei do Fernandão, especificamente. Versarei sobre ídolos de verdade.
Equivoca-se quem pensa que meu ídolo estava no gramado do Gigante na noite gelada de 16 de agosto de 2006. Meu ídolo também não se fez presente no estádio de Yokohama, na inebriante manhã de 17 de dezembro do mesmo ano. Meu ídolo não ergue taças, não ostenta orgulhoso a braçadeira do capitão, não sai bonito na foto e tampouco se declara apaixonado pelo Internacional na TV ou nas rádios.
Muito antes pelo contrário, meu ídolo está longe dos padrões e das pretensões. Meu ídolo passa longe de tudo que se define por fama e sua remuneração voa longe do que penso seria digno de um ídolo de seu calibre. Ele, meu ídolo, está longe, muito longe, dos olhos do mundo. Meu ídolo está longe dos pôsteres, mas perto de mim. Meu ídolo está longe dos holofotes mas pulsa em meu coração.
Falar em coração, meu ídolo é um sujeito de coração supremo, amplo e abrasador e dono de um "risadão" grave, poderoso e sincero. Meu ídolo é também apreciador dos artífices mais simples desta vida insana, como uma boa xícara de cafezinho preto após o almoço.
Sem desmercer ídolos como Falcão, Fernandão, Valdomiro, Figueroa e outros tantos, mas eles não passam de ídolos de barro perto do meu ídolo. Esses ídolos não sentem dor, mágoa, raiva, não amam e nem fazem necessidades fisiológicas. Para esses ídolos, só lhes faltam a capa, um "shortinho" apertado e a publicação de suas aventuras nos gibis de super-heróis.
Meu ídolo, não. Ele não tem pinta nem frases de bom moço. Meu ídolo possui um arsenal de piadas bagaceiras e as conta divertida e despudoramente. Meu ídolo arrota e peida. Com meu ídolo, eu passo conversando horas a fio sobre qualquer assunto: mulher, filmes, política, Brasil e, claro, futebol. Aliás, meu ídolo narrou-me em detalhes a fantástica troca de passes de cabeça entre Falcão e Escurinho, além de inúmeras outras peripécias do Colorado avassalador da longínqua década de 70. Pois é, meu ídolo foi um privilegiado espectador de arquibancada dessas façanhas épicas escritas pelo Colorado daquela década. Meu ídolo não é um ídolo colorado, mas é tão somente mais um colorado, e talvez sua preferência tenha influenciado minha escolha clubística.
Meu ídolo é um líder positivo, que me levanta nas crises, que me impulsiona e que me dá moral. Sempre que arrebento a cara, recorro ao seu poço de sabedoria e simplicidade e lhe roubo uma palavra de consolo, um gesto de perseverança que seja. Meu ídolo sempre trouxe largos os ombros do acolhimento e um sorrisão generoso por trás do cavanhaque sempre bem aparado.
Falando em aparência, meu ídolo nem em sonho lembra a imagem do sujeito alto, atlético e esguio, com longas madeixas negras. Meu ídolo é a imagem invertida do atleta. Ou melhor, é a verdadeira desconstrução do atleta: um sujeito de baixa estatura, barriga saliente de cerveja e careca reluzente, com poucos fios de cabelos refugiados nas laterais da cabeça e na nuca. Mesmo assim, meu ídolo é meu apoio, meu mentor e meu herói singelo.
Por isso, ao eleger esse ou aquele como ídolo, verifique bem em sua volta. Pare, pense bem, utilize-se da visão apurada dos sentidos da alma: os ídolos costumam estar mais perto do que se possa imaginar... E àqueles afortunados que descobrirem seus respectivos ídolos eu aconselho da seguinte forma: abracem seu ídolo, cultivem seu ídolo, valorizem-no, idolatrem seu ídolo, encham-no de adulação, beijem seu ídolo, desfrutem de cada segundo do convívio e da sabedoria do seu ídolo. Vão lá, façam isso de coração! Não percam tempo... pois aqui vai a segunda parte do meu conselho: tomem muito cuidado com seus ídolos, pois via de regra o são ardilosos e traiçoeiros; eles podem nos deixar assim de repente, quando a gente menos espera.
O meu ídolo, por exemplo, deixou-me. Sim, deixou-me, pois se é verdade que ele é meu herói, também - e infelizmente - não é menos verdade que ele é um herói de carne e osso e, como tal, adoeceu, fragilizou-se, definhou, definhou... e partiu num vôo definitivo rumo a dimensões desconhecidas. Meu tio Antônio Roberto, meu ídolo, meu herói, partiu em fevereiro de 2006, com quase cinqüenta anos, e não deu tempo de pegar o meu, o dele, o nosso Colorado campeão da América e do Mundo meses depois. O homem se foi, mas a imagem do ídolo permanece intacta e sobrevive na minha memória. Ele não partiu de sopetão, é verdade, e de certo modo pude ir me despedindo dele aos poucos, de maneira doída, sabendo que sua ida não mais teria retorno.
Ainda que em seus derradeiros dias eu tivesse demonstrado todo meu afeto e admiração pelo ídolo debilitado, fiquei com um enorme "EU TE AMO, MEU TIO" entalado na garganta. E lamento não tê-lo dito pessoalmente em alto e bom tom, assim como lamento que ele não possa estar aqui para ao menos ler essas linhas tortas que agora saem sangrando, sofridas, mas carregadas de verdade.
É por isso que lhes friso bem: muito cuidado com seus ídolos. Aliás, melhor mesmo seria não criá-los, esses monstros chamados ídolos, pois a nostagia seria bem menor nas festas de final de ano, por exemplo. Posso dizer que ídolos geralmente se escondem na estrutura familiar. Na verdade, alguns se tornarm mais ídolos que outros, tudo depende de nossas escolhas. Desculpem-me o termo fora de contexto, mas é "foda" nascer, crescer, garimpar nossos ídolos e conviver com esses ídolos para depois perdê-los definitivamente. É muito duro e triste chegar ao final de ano e contabilizar mais uma baixa dentre os entes queridos com os quais nos acostumamos, com os quais sorrimos, gargalhamos, com os quais choramos.
Analogamente, família é como uma equipe de futebol que joga junta há muito tempo. Vai jogando, vai convivendo, vai ganhando, vai perdendo, mas por fim se torna vitoriosa. Então a gente vive a ilusão de que aquele estado de euforia durará pra sempre, achamos que aquelas pessoas são pra sempre, que aquela rotina é pra sempre, afinal queremos aquilo pra sempre. Mas alguém já cantou a pedra: o pra sempre sempre acaba.
E a gente vai levando, como cantou o outro. E vai batendo de frente no muro da realidade e vendo aquela equipe familiar se desmantelar, perdendo peças e, com elas, um pouco do encanto, um pouco da graça. Mas faz parte da vida e nos cabe enxugar a lágrima do canto do olho, erguer a cabeça, aprumar o passo e seguir em frente.
É o que procuro fazer. Inclusive, estou me mobilizando e, como precaução, estou montando uma pequena equipe. Já contabilizo dois membros e só posso dizer que é uma equipe muito promissora. Estou me referindo à Amábile, de seis anos de idade, e ao Antônio, de seis meses de vida. São meus filhos, meus amores, meus heróis. E são pequeninos, é verdade, mas já carregam essa responsabilidade gigantesca de serem meus ídolos. Alguns ídolos meus da "antiga" ainda permanecem na ativa, como pai, mãe, irmão e avó, etc, mas arquitetei com certa dose de sabedoria e outra de esperma a escolha dos meus pequenos ídolos, pois egoísta que sou, o risco de perdê-los enquanto eu estiver permbulando por essa vida é mínimo, visto que a minha Amábile e o meu Antônio são muito mais jovens do que eu.
Eu é que não faço questão de ser ídolo de ninguém. Estou numa fase de desconstrução total, de amizades, de amores e afins. Se meus amigos marcam de tomar uma cerveja depois de muito tempo, eu invento alguma desculpa sem fundamento e não compareço ao evento. Se alguém se apaixona por mim, eu faço de conta que só quero sexo e sumo. Se o pessoal espera que eu escreva sobre futebol nas sextas, eu escrevo mais e mais sobre putaria. Desta forma, se eu morrer hoje ou amanhã os meus amigos, as minhas amadas e vocês, leitores e colegas de blogue, perderão, no máximo, um grande sacana.
E concluo dizendo que eu desejo ser o melhor pai possível para os meus filhos, mas sempre tomando muito cuidado pra não chegar ao ponto de tornar-me ídolo deles, pois os amo tanto e tão intensamente que, quando eu me for definitivamente, não os quero deixar carentes de mim.