segunda-feira, junho 09, 2008

60 Nada nos separa

60

Manuela está se mudando. Minha chegada - abençoada por sua incomparável receptividade - veio agraciada com a tarefa de ajudar-lhe com o passo de formiguinha, “cambiando” coisas de um apartamento a outro. Ontem matei um pouco da saudade da rotina bv, falando rapidamente com o Louis. Despedi-me saindo da sorveteria onde usufruía de internet, para uma dessas empreitadas.

A Manu tem um namorado, Jorge, que emprestou seu carro para nos facilitar a vida. Fomos até em casa, a atual, juntamos coisas e nos dirigimos ao novo lar. Função: descarrega, sobe, tira, deixa, desce. Já são quase 20:00 na Espanha, quase 15:00 no Brasil. O jogo é às 16:00. Voltando pra casa (ainda atual) sugeri que minha amiga fosse curtir a companhia de “su novio” que eu chegaria em casa, pegaria o note e me mandaria para um Vips – bar de Madrid onde poderia jantar e acessar a internet, buscando assim o Gonça TV, por onde acompanharia o desempenho do meu colorado.

É domingo, final de semana, com certeza a Manu, apesar de colorada, adorou a idéia de ficar juntinho do seu, pois a rotineira correria permanece frenética em qualquer lugar do mundo e o final de semana pede o respectivo cangote. Eu, dona de mim, vislumbrei o que seria minha primeira partida via net como torcedora colorada fervorosa.

Eis que, chegando na Plaza Manuel Becerra, saltei do carro com o molho de chaves numa das mãos e uma caixa de acrílico (recipiente transportador) na outra. Em frente à porta, levei a chave até a fechadura e... a chave era do outro apartamento, o novo, Manu me deu a chave trocada. Nesse exato instante assombra-me a lembrança imediata do diálogo de mais cedo:

- Manu, vamos e voltamos então nem levo dinheiro, documento, nada...

- Nem leva. Já voltamos.

Eu não tinha chave, celular, dinheiro, documento, telefone dela, tampouco o endereço de nossa nova casa e muito menos do namorado (são prédios próximos, quase vizinhos). Só sei que o namorado se chama Jorge, lembro da forma do prédio onde ele mora e sei que é no bairro Malasaña e que há uma praça “pequeña” por entre o curto percurso dos dois prédios. Sem contar minha desenvoltura precária no espanhol.

Isso é uma verdadeira crise Internacional.

Aguardei um tempo, na esperança de que ela percebesse o equívoco e voltasse correndo para me acudir. Esperei e nada. Chamei uma transeunte e num portunhol meia boca pedi o contato de algum chaveiro. Nada. Esperei mais. Ainda nada. No entra e sai do prédio passaram duas moças e daí a dor ensina a gemer e falar espanhol: por fabor...

As vizinhas foram atenciosas, me levaram até seu apartamento, procuraram chaveiro na lista telefônica (apesar de europeus os chaveiros são engraçadinhos mais que brasileiro) não nos forneciam o orçamento por telefone, só no local, provavelmente algo em torno de 300 euros. Que merda. Deixei a caixa de acrílico nas vizinhas legais e me aventurei a procurar o endereço do Jorge num táxi, sem ter a mínima idéia de como pagar a corrida e se encontraria a bendita morada do namorado da minha amiga. Quando entrei no carro estava nervosa e muito sem jeito de contar minha história atrapalhada. Contudo, o taxista foi muito gentil, me mostrou o mapa da cidade, foi andando e me perguntando se reconhecia algo e, de fato, reconheci. Fomos desbravando o traçado urbano seguindo minha memória visual e acreditem, numa cidade que comporta cinco milhões de habitantes eu achei o prédio do Jorge.

Desci do carro e ainda restava o último desafio, o número do apartamento. Toquei em vários pelo interfone e um vizinho liberou a porta pra mim, sugerindo que verificasse os nomes nas caixas de correio, ali haveria de ter o número. Entre as caixas de correio algumas continham os nomes dos proprietários, porém, sem número. E justamente uma dessas era a casa do Jorge... Mas que coisa! Recordei sem muita certeza de que o apartamento fica no quinto andar, fui observando os correios com número na caixa e segui uma possível ordem numérica. Deu certo. O dele tinha que ser o 5B. Subi ansiosa e toquei a campainha, uma, duas, três vezes... Até que abriu. Era o Jorge! (hablando: Horhe!). A Manuela quase desmaiou quando me viu entrando com a chave trocada na mão. Ninguém acreditou que eu consegui chegar até ali tão desenformada, despreparada e sem um mísero trocadinho no bolso.

Enquanto tudo isso acontecia o colorado perdia de 3x1 pra Portuguesa. Eu posso até sair de perto do Inter, mas o Inter não sai de mim. Sou colorada, sofro, choro mesmo que uma lágrima delatora de meu desespero no banco traseiro do táxi, mas não me entrego. Acredito em superação, do contrário teria dormido na porta de casa essa noite. Aposto em mim, pois entrei sem dinheiro no táxi. E pra não mentir que minha vida colorada está em todos os lugares, chegando de volta em casa, precisei perguntar o nome do taxista que salvou minha pátria na noite de ontem.

E não resisti na resposta, ficou quicando...

- Fernando.

- Gracias, Glória.

Sempre sempre sempre e agora mais do que nunca Internacional.