quarta-feira, julho 29, 2009

9 O primeiro campeonato brasileiro que disputamos

O primeiro campeonato brasileiro disputado pelo Internacional não foi o Campeonato Nacional em 1971. Nem o Robertão, em 1967. E nem mesmo a Taça Brasil, em 1962.

Em 29.02.1952 a FRGF (Federação Rio-Grandense de Futebol) decidiu que o Internacional iria representar o Rio Grande do Sul no Campeonato Brasileiro de Seleções daquele ano (desde a década de 1920 existia um Campeonato Brasileiro de Seleções estaduais).

A decisão foi comunicada ao mundo esportivo na seguinte nota:

“O presidente da FRGF resolve designar o Esporte Clube Internacional, de Porto Alegre, campeão estadual de profissionais de 1951, para representar, oficialmente, a Federação no Campeonato Brasileiro, de conformidade com a resolução tomada pela diretoria.”

O clube, que estava fazendo pré-temporada em Gramado (talvez a primeira da história), foi comunicado com outra nota:

“Ilmo Sr. Presidente do E.C. Internacional
Levamos ao vosso conhecimento que, por nota oficial nº 52/13, de hoje datada, esta presidência designou essa prestigiosa associação, como campeão do Estado na categoria de profissionais de 1951, para representar, oficialmente, a Federação Rio-Grandense de Futebol, no Campeonato Brasileiro de Futebol, tudo na conformidade com a resolução aprovada pela diretoria. Almejando que o E.C. Internacional eleve bem alto o futebol gaúcho no cenário esportivo do Brasil, aproveitamo-nos do ensejo para renovar nossos protestos de apreço e consideração.
Otávio Abreu da Silva Lima
1º Vice-presidente em exercício da FRGF

Logo após a comunicação oficial, o Internacional bateu a Seleção de Gramado e Canela por 11x1. As camisetas rubras demorariam um pouco para voltarem a ser usadas. O Internacional aceitou a missão e assim respondeu:

“Neste momento histórico para o nosso futebol, quando, pela primeira vez um clube se galardoa com a honra de representar o Rio Grande no certame brasileiro, quer o Internacional dirigir-se aos esportistas gaúchos sem distinção de cores clubísticas de espécie alguma, para reafirmar seus propósitos de elevar bem alto o bom nome do esporte de nossa terra.
Nós, do Esporte Clube Internacional, estamos bem cientes de que,acima do glorioso pavilhão alvi-rubro, teremos a nosso cargo a responsabilidade de zelar pelas glórias insignes em outras feitas assinaladas por anteriores representações do Rio Grande. Necessitamos entretanto que estejam todos conosco, ao nosso lado, nessa jornada que pretendemos tornar gloriosa.
As manifestações de simpatia e confiança que temos recebido de esportistas e co-irmãos, tanto da capital como do interior, dão-nos desde logo a certeza de que o Rio Grande em peso estará conosco.
Quando na tarde de hoje em cerimônia singela mas significativa, os bravos rapazes do Internacional despirem as camisetas gloriosas de seu clube, que serão arquivadas temporariamente,para envergarem as não menos gloriosas camisetas do Rio Grande, não seremos mais um clube a receber o apoio e os aplausos de sua torcida, mas sim a representação gaúcha a contar com o decidido incentivo de toda a população.
Porto Alegre, 9 de março de 1952
Dr. Ephraim Pinheiro Cabral – Presidente

A direção colorada pediu à FRGF que os jogos de preparação e mesmo de competição da Seleção fossem disputados nos Eucaliptos, e que os sócios colorados pudessem entrar sem pagar ingresso. A FRGF concordou em concentrar as partidas nos Eucaliptos, mas quanto aos ingressos, não teve jeito: era jogo da Seleção, não do Internacional, o estádio estava requisitado pela Federação e os sócios colorados teriam de pagar para ver o time jogar.

O primeiro amistoso ocorreu em 09.03.1952: 5x0 Nacional, vice-campeão porto-alegrense. Nesta partida, Bodinho, que no campeonato recém encerrado havia sido o grande craque do Nacional, foi atingido no olho e teve de ser substituído. Os colorados acusaram os atletas do Nacional de tentarem propositalmente atingir o atacante. Luizinho e Camargo, outros ex-nacionalistas recém contratados pelo Internacional nada sofreram.

Em 15.03.1952, o adversário foi o Renner: 3x2. A imprensa cobriu de críticas a seleção colorada: Solis não tinha fôlego para agüentar 90 minutos, Mujica criava tantas jogadas quanto perdia gols, Luizinho não conseguia acertar o gol, etc...

Mas em 23.03.1952, um adversário mais forte surgia pela frente: o Grêmio, que contava pela segunda vez com Tesourinha em campo. Apesar das críticas sofridas, a Seleção Colorada dominou amplamente a partida. Bodinho fez 1x0 logo aos 6’. O veterano Geada empatou aos 34’, mas na 2ª etapa o Tricolor não resistiu. Bodinho marcou novamente aos 8’, e Canhotinho fechou o marcador aos 20’: Seleção 3x1.

Antes de viajar à Bahia, para jogar pelo campeonato, mais um amistoso, em Caxias do Sul, contra o Flamengo, campeão da cidade: Seleção 4x1.

A estréia da Seleção Gaúcha no campeonato ocorreu em 13.04.1952, na Fonte Nova. Um público expressivo para a época, 17.132 pessoas, compareceram ao estádio, para apoiar sua seleção contra os gaúchos. Os baianos pressionaram a maior parte do tempo, mas quando conseguiam passar pelo centromédio Salvador, paravam nas mãos de Dóia. E quando tudo parecia indicar um empate, aos 37’ do 2º tempo Bodinho marcou o único gol da partida. RS 1x0 BA.

RS: Dóia; Florindo e Oreco; Paulinho, Salvador e Odorico; Luizinho, Camargo, Bodinho, Mujica e Canhotinho

No dia 20.04.1952, a partida de volta, nos Eucaliptos. A Seleção Colorada não rende o esperado, mas consegue o resultado necessário. Após uma 1ª etapa sem gols, Luizinho abriu o placar aos 6’ do 2º tempo, e no minuto seguinte Bodinho ampliou. A Seleção Baiana, com apenas 10 jogadores em campo (Izaltino machucou o joelho aos 3’ de jogo, e como não eram permitidas substituições, ficou fazendo número em campo), ainda conseguiu descontar, aos 15’, com Mituca. RS 2x1 BA.

RS: Dóia; Florindo e Oreco; Paulinho, Salvador e Odorico; Luizinho, Solis, Bodinho, Mujica e Canhotinho

Campeão da chave RS/SC/PR/BA, o “scratch” gaúcho enfrentaria o campeão do Norte, a seleção paraense. Devido a distância entre os dois estados, as partidas seriam realizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Em 27.04.1952 a Seleção Colorada entrava em campo, no Parque Antártica, para enfrentar o Pará. Os paraenses abusaram da violência,mas não conseguiram evitar a derrota: RS 4x0 (Jerônimo, Bodinho, Alberi e Luizinho).

RS: Dóia; Florindo e Oreco; Paulinho, Salvador e Odorico; Luizinho, Jerônimo, Bodinho, Mujica e Alberi

Em 04.05.1952 a partida foi realizada em General Severiano, campo do Botafogo. Os paraenses prometiam levar a partida para a prorrogação. Para isso, bastava vencerem por qualquer placar (na época não existia desempate por saldo de gols). Mas logo ficou claro que não teriam nenhuma chance. A 1ª etapa já terminou com o placar de 3x1 para os gaúchos. Resultado final: RS 6x3 PA (Bodinho [3], Jerônimo, Camargo e Luizinho). E os gaúchos tiveram um jogador expulso, Oreco. Ao dar um carrinho em Hélio, no gramado embarrado da chuva, acabou acertando o adversário com mais força que planejara.

O RS estava na semifinal! E contra a poderosa Seleção Paulista! Nunca uma equipe gaúcha havia vencido uma equipe paulista em SP, e mesmo no RS as vitórias eram raras.

Para preparar a Seleção para as batalhas seguintes, em 18.05.1952 foi realizado um amistoso com o forte Pelotas, vice-campeão gaúcho, que empatara as duas partidas do campeonato gaúcho com o Colorado. Mas diante da Seleção, o Pelotas desandou: levou 6x1, a ponto de seu técnico, Leal, perder a cabeça e tentar agredir o árbitro, tendo de ser retirado de campo pela polícia.

Finalmente chega o grande dia! 25.05.1952! Na imprensa, uma nota encabeçada por Saturnino Vanzelotti, presidente gremista, e assinada por todos os presidentes de clubes da capital (à exceção, claro, do Internacional), conclamava todos os porto-alegrenses a torcerem pela Seleção. Os Eucaliptos recebem 20.888 torcedores, que geram uma renda de Cr$ 465.775,00, recordes de público e renda em toda a história do futebol gaúcho, até então.

Os paulistas estão recheados de jogadores com passagens pela seleção brasileira, e os gaúchos tinham um importante desfalque: Canhotinho, acometido de furunculose, não jogaria. Mesmo assim, o RS começou a mil! Aos 16’ Bodinho abre o marcador, fazendo os Eucaliptos explodirem: RS 1x0!. Aos 23’, novamente Bodinho! 2x0! A torcida delira! Mas aos poucos, os paulistas começam a demonstrar que, além do bom futebol, tem um preparo físico superior ao dos gaúchos. Ainda no 1º tempo, aos 33’, Rodrigues diminui. Na 2ª etapa, logo aos 2’, Pinga empata. E quando tudo indicava um empate, aos 40’ Rodrigues vira o jogo: RS 2x3 SP. Agora era necessário vencer na capital bandeirante.

RS: Dóia; Florindo e Oreco; Paulinho, Salvador e Odorico; Luizinho, Camargo, Bodinho, Mujica e Nickelagem

Em 28.05.1952, o RS voltava a jogar na capital paulista, mas agora no imponente Pacaembu. O juiz da partida era o polêmico e afamado Mário Viana, que expulsava jogadores a socos, se fosse preciso.

Os paulistas, em casa, abrem o placar aos 4’, com Antoninho. Mas diferente do que parecia, o RS equilibrou a partida e começou a criar oportunidades. Em uma delas, aos 39’, Salvador empatou. A torcida paulista, que esperava uma goleada, não ficou satisfeita com um empate na 1ª etapa. Logo no início do 2º tempo, Bodinho é acertado com violência e fica alguns minutos fora de campo. Aproveitando-se de que os gaúchos estão com um jogador a menos, os paulistas lançam-se ao ataque, e Rodrigues marca aos 9’, SP 2x1. Mesmo assim, o RS volta a equilibrar a partida, e Luizinho quase empata o jogo. Então, em seguida ocorre o lance mais polêmico da partida: o centroavante corinthiano Baltazar acerta com violência o zagueiro Florindo, que é obrigado a abandonar a partida. Já o agressor não sofre punição nenhuma. No dia seguinte, o jornal “O Estado de São Paulo” considerou vergonhoso Baltazar não ter sido expulso.

Sem o seu melhor zagueiro, Florindo, o “Gigante de Ébano”, a Seleção Colorada não resiste muito tempo. Aos 26’, o próprio Baltazar marca, 3x1. Aos 32’, Pinga amplia, 4x1. E aos 44’, em um pênalti duvidoso, Rodrigues define: SP 5x1 RS. Dias depois, os paulistas venceriam os cariocas e conquistariam o título brasileiro. Mas para a brava Seleção Colorada restou a honrosa 3ª colocação, melhor classificação conseguida por uma Seleção Gaúcha no Campeonato Brasileiro de Seleções.

RS: Dóia; Florindo e Oreco; Paulinho, Salvador e Odorico; Luizinho, Camargo, Bodinho, Mujica e Canhotinho

9 Comentários:

Bruno disse...

Muito interessante, parabéns Prof.

Marcelo Tiarajú disse...

Bravo Professor!

GILSON - PR disse...

Ótima pesquisa professor. O centro do Brasil, nessa época, já tinha forte influência sobre a arbitragem.

col disse...

Show de bola, Prof.!!

Raul Pons disse...

Gílson:

Nessa época era até pior. Era comum, nas excursões que faziam pelo Brasil, os times do RJ e SP viajarem com um juiz das suas próprias federações, só aceitando jogar se eles dirigissem a partida.

f. disse...

"Então, em seguida ocorre o lance mais polêmico da partida: o centroavante corinthiano Baltazar acerta com violência o zagueiro Florindo, que é obrigado a abandonar a partida. Já o agressor não sofre punição nenhuma."

Corinthians, roubando o Inter desde sempre.

Ike disse...

Parabéns professor, excelente texto!

Unknown disse...

hahaha paulistas e cariocas, desde então dependiam dos juizes para ganharem...

Celso disse...

Showww Raul .... baita texto

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