Era 1995, último ano do colegial. Mirando os jogos intersérie do segundo semestre, montamos um time de futsal da sala e programamos uma série de três amistosos no primeiro semestre, contra o time do segundo ano. Como acredito que deva ser até comum, o time do segundo ano era fisicamente mais forte que o nosso. Além disso, alguns colegas nossos que repetiram de ano também jogavam no time.
Quem leu meu primeiro texto aqui, já sabe que me considero muito exigente e não gosto de perder, embora saiba (e isso é importante). :-) Bem, os três amistosos foram todos um desastre. Embora eu acreditasse muito no potencial do time, nós fomos goleados em todos os jogos e não foi por pouco não. Era 15 x 2 aqui, 20 x 5 ali. Terrível. Eu saía completamente desmoralizado e desanimado dos jogos, pensando nas perspectivas para o último interséries que iria disputar.
Pois o tempo passou e começaram os jogos. Aqui vale uma menção às características do nosso time. Não éramos fortes. O Caetano era um pouco mais alto, em torno de 1,80m. O resto estava na faixa de 1,68m - 1,75m e éramos todos magrelos. Nosso goleiro, o Goya, era o mais baixo e talvez até mais forte em função disso. Mas futebol não era muito a dele e jogar no gol pelo nosso time foi quase um favor que ele nos fez. Por conta disso, tínhamos que ser muito comedidos nas reclamações com ele quando dos inúmeros frangos que sofria. Uma reclamação mais agressiva e ele pegava as coisas e largava uma "Coloquem outro aí, então". Portanto, cuidado total.
Essa, digamos, "fragilidade" na equipe já nos "deu" a primeira estratégia: "Não podemos deixar os caras chutarem a gol!!!", era nosso mantra no torneio. Fomos para o campeonato e não posso negar que eu temia uma nova goleada. Não me lembro dos resultados no decorrer do campeonato. Só sei que fomos vencendo e chegamos à final, justamente contra o time do segundo ano que, por sorte, não cruzou com a gente antes. Os caras simplesmente massacravam todos os times e nós, diante do retrospecto desanimador dos amistosos, não tínhamos razões para acreditar.
Chegou o dia do jogo final e nosso time se reuniu após o aquecimento pra acertar os últimos detalhes. Como sempre, reforçamos nosso mantra de "não deixar chutar a gol". Mas, além disso, olhamos uns pros outros e havia uma aura de confiança muito grande entre nós. Talvez pela ascensão durante o campeonato, não sei. Por alguma razão, estávamos sentindo que podíamos vencer. Combinamos então de endurecer muito o jogo, de marcar em cima, de dificultar ao máximo a vida dos caras. E assim foi.
O jogo foi uma guerra. Os caras do segundo ano pareciam ter sentido um pouco nossa disposição e de certo modo acredito que foram pegos de surpresa, pois acharam que iam passear contra a gente. Que nada. O placar foi apertado o jogo todo. Eles começaram na frente, nós empatamos. Fizemos o segundo e num chute despretencioso (praticamente um recuo) nosso goleiro tomou um de seus frangos costumeiros... Tinha que ter filmado nossa cara. Olhamos todos uns pros outros querendo morrer. Mas, nada de reclamar. Aliás, é preciso fazer justiça: do mesmo modo que Goya tomava frangos ridículos, ele também fazia defesas incríveis, pois era desses caras meio loucos que se jogam mesmo nas bolas, sem medo.
O jogo seguiu nessa luta, gol pra cá, gol pra lá, até que chegamos nos minutos finais empatados em 6 x 6. Caramba, só de lembrar eu me arrepio, que tensão! Os dois times lutavam muito e eu não acreditava na vontade de vencer que via no meu time, nem sombra da atitude que via nos amistosos. Enfim, nenhum dos dois times conseguiu marcar o gol redentor e fomos para a morte súbita, na prorrogação. Esse momento merecia uma narração especial!
Não demorou muito. O juiz deu a saída de bola, que começou com o time do segundo ano. Estávamos uma pilha e tirávamos força não sei de onde, para não deixar o mínimo espaço para os caras. Rapidamente tomamos a bola e tentamos a primeira jogada. Saída da zaga pelo lado direito, toque de volta para o meio, passe na esquerda e chute pra fora, sem sucesso. Novamente a bola estava com eles e a gente em cima, pois qualquer chute, mesmo um recuo sequer, em direção ao nosso gol poderia ser fatal. O time deles já estava bastante impaciente com nossa marcação pressão e os jogadores já discutiam muito entre si.
Retomamos a posse de bola e saímos em contra-ataque rápido. Eu estava no ataque nessa jogada, na frente da área, de costas pro gol. O Ronaldo saiu da zaga pela esquerda e quando passou do meio-campo encontrou um espaço pra rolar a bola pra mim. Dominei, com marcação atrás e vi que o Caetano vinha livre de frente pra mim e pro gol. Não tive dúvida. Rolei uma bola açucarada, daquelas que você está com o pé sobre a bola e empurra, como com a mão. Então, quando vi que ele ia chutar, virei de costas, tentando sair da frente e só vi a bola novamente quando ela bateu na rede, no fundo do gol. Uma bomba!!! De bico mesmo, daquelas que o cara pega com toda a força que tem. Um golaço!...
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Não sei quantas voltas na quadra e quantos gritos eu dei depois do lance. Não sei se alguma outra vez na vida senti tanta euforia, alegria, orgulho de mim e do meu time. Futebol é mesmo um esporte incrível. Lembro que o Sílvio, grande amigo que jogava pelo segundo ano e um dos principais jogadores deles, ficou tão furioso que ficou um mês sem conversar com a gente, de cara fechada. Foi uma derrota difícil pra ele e histórica pra gente, ainda mais por ser nosso último ano no colégio.
Homenagem aos pais e ao Damião, nosso goleador!
Essa vitória me fez pensar várias vezes em como é complicado essa coisa de "psicológico" do ser humano em geral mas, neste caso, de jogador. Como explicar tão grande mudança de comportamento de um mesmo time no espaço de alguns meses? Sempre que vejo a oscilação enorme que ocorre no Inter, me lembro desse episódio. O time do Inter é capaz de partidas magistrais seguidas de jogos medonhos e vergonhosos. São os mesmos jogadores, a mesma estrutura, mas o comportamento muda da água para o vinho. Como explicar?