Contagem regressiva, gritos, cânticos, fogos. Camisas, bonés, bandeiras, faixas, cartazes. Vídeos, fotos, crônicas, cartas, depoimentos. Cerveja, amigos, jogo, pênaltis, gols. Assim, celebrei o centenário da instituição que me torna mais humano.
Internacional de todos, de todas as origens, de todas as classes, de todas as crenças. Uma filosofia de vida que se concretizou através da bola, realizando sonhos infantis, materializando um idealismo juvenil, há cem anos e para toda a eternidade.
Na noite de sábado, ao invés da pompa do jantar festivo no Gigantinho, celebrei em casa assistindo a documentários na TV. Foi quando tive o privilégio de ver e ouvir Nena, zagueiro do lendário Rolo Compressor. O último jogador vivo daquele esquadrão da década de 40.
O velho Nena recebeu a reportagem ao lado da sua esposa, a qual demonstrou ter vivíssimas na memória as lembranças dos anos em que o seu amado estava no auge da carreira. Ela lembra com clareza dos jogos em que o Inter enfrentava o Grêmio no estádio do rival. “Quando nós entrávamos nas arquibancadas, eles ficavam furiosos!” “Naquela época, eles não aceitavam negros, mas quando tinha jogo com o Inter, tinham que nos deixar entrar.” “Nos chamavam de um monte de coisas, como ‘macacos’!” “E quando a gente ganhava, e naquela época a gente sempre ganhava, ficavam ainda mais furiosos!”
Eis que no domingo ainda festivo, o destino colocou-nos novamente diante do velho rival. O primeiro jogo após o aniversário de cem anos, justamente, um grenal. Assim, continuaria eu, a celebrar.
Pouco após entrar no pátio do Beira-Rio, vindo do Parque Gigante e passando pela Capela, noto que a torcida adversária estava adentrando no estádio. Uns mandando os outros para aquele lugar e tudo ficava por isso mesmo. Mas um, em especial, me chamou a atenção. Rapaz jovem, pele clarinha, camisa do time novinha e ingresso de superior. Sim, ele pagou mais caro, estava subindo a rampa de acesso.
Aquele jovem não mandou ninguém pra lugar nenhum, não fez nenhum gesto obsceno, não de conotação sexual. Fez pior, muito pior! Ele subiu a rampa toda olhando pra mim, um gringo branquelo de cabelos lisos e barba rala, meio avermelhada. Mas ele seguiu no seu trajeto, o tempo inteirinho, com um braço arqueado para cima e o outro para baixo. Uma mão coçava a cabeça e a outra a barriga. É, ele imitava um macaco.
Ao vislumbrar aquela cena, imediatamente lembrei-me da esposa do Nena. Lembrei-me do depoimento dela e cheguei à triste conclusão de que por mais que o tempo passe, certos preconceitos são, de fato, imortais.
Mas o jovem não provocava nenhum cidadão afro-descendente. De longe, no alto da rampa de acesso ao anel superior do estádio, ele debochava de mim. Sim, eu, o colorado branco que se irmana com todos, historicamente, independentemente de raça, torcendo pelo mesmo clube de futebol. Isso, na cabeça do macaco imortal, faz de mim um símio, alguém inferior, não no campo, não na bola, mas na cadeia evolutiva. É, já ouvi essa também. E quando ouvi, quem contou achou graça, achou que era uma piada. Piada sem graça, principalmente para a mulher do Nena.
Mas a bola rolou e quando o jogo acabou, uma das primeiras lembranças que tive foi a do macaquinho imortal. Tenho certeza de que, se ele me visse após o jogo, continuaria me provocando, com a sua “macaquice”. O que aconteceu em campo, pra ele, pouco importa. Na cabeça dele, seu clube, seu time, sua raça, sua casta, sua linhagem é e sempre será superior.
O que o macaquinho imortal não sabe, é que o esporte põe o homem frente a frente com os seus limites, testa a sua capacidade física e mental para superar a si próprio. O macaquinho imortal não sabe que nessa busca, adversários são parceiros, na medida em que a resistência de um ajuda na superação do outro. Ele não sabe que esporte é saúde, é integração, é interação. Não sabe, mas deveria saber. Já faz mais de cem anos, tem um clube aí ensinando isso pra muita gente. Gente, não macacos!
Internacional de todos, de todas as origens, de todas as classes, de todas as crenças. Uma filosofia de vida que se concretizou através da bola, realizando sonhos infantis, materializando um idealismo juvenil, há cem anos e para toda a eternidade.
Na noite de sábado, ao invés da pompa do jantar festivo no Gigantinho, celebrei em casa assistindo a documentários na TV. Foi quando tive o privilégio de ver e ouvir Nena, zagueiro do lendário Rolo Compressor. O último jogador vivo daquele esquadrão da década de 40.
O velho Nena recebeu a reportagem ao lado da sua esposa, a qual demonstrou ter vivíssimas na memória as lembranças dos anos em que o seu amado estava no auge da carreira. Ela lembra com clareza dos jogos em que o Inter enfrentava o Grêmio no estádio do rival. “Quando nós entrávamos nas arquibancadas, eles ficavam furiosos!” “Naquela época, eles não aceitavam negros, mas quando tinha jogo com o Inter, tinham que nos deixar entrar.” “Nos chamavam de um monte de coisas, como ‘macacos’!” “E quando a gente ganhava, e naquela época a gente sempre ganhava, ficavam ainda mais furiosos!”
Eis que no domingo ainda festivo, o destino colocou-nos novamente diante do velho rival. O primeiro jogo após o aniversário de cem anos, justamente, um grenal. Assim, continuaria eu, a celebrar.
Pouco após entrar no pátio do Beira-Rio, vindo do Parque Gigante e passando pela Capela, noto que a torcida adversária estava adentrando no estádio. Uns mandando os outros para aquele lugar e tudo ficava por isso mesmo. Mas um, em especial, me chamou a atenção. Rapaz jovem, pele clarinha, camisa do time novinha e ingresso de superior. Sim, ele pagou mais caro, estava subindo a rampa de acesso.
Aquele jovem não mandou ninguém pra lugar nenhum, não fez nenhum gesto obsceno, não de conotação sexual. Fez pior, muito pior! Ele subiu a rampa toda olhando pra mim, um gringo branquelo de cabelos lisos e barba rala, meio avermelhada. Mas ele seguiu no seu trajeto, o tempo inteirinho, com um braço arqueado para cima e o outro para baixo. Uma mão coçava a cabeça e a outra a barriga. É, ele imitava um macaco.
Ao vislumbrar aquela cena, imediatamente lembrei-me da esposa do Nena. Lembrei-me do depoimento dela e cheguei à triste conclusão de que por mais que o tempo passe, certos preconceitos são, de fato, imortais.

Mas a bola rolou e quando o jogo acabou, uma das primeiras lembranças que tive foi a do macaquinho imortal. Tenho certeza de que, se ele me visse após o jogo, continuaria me provocando, com a sua “macaquice”. O que aconteceu em campo, pra ele, pouco importa. Na cabeça dele, seu clube, seu time, sua raça, sua casta, sua linhagem é e sempre será superior.
O que o macaquinho imortal não sabe, é que o esporte põe o homem frente a frente com os seus limites, testa a sua capacidade física e mental para superar a si próprio. O macaquinho imortal não sabe que nessa busca, adversários são parceiros, na medida em que a resistência de um ajuda na superação do outro. Ele não sabe que esporte é saúde, é integração, é interação. Não sabe, mas deveria saber. Já faz mais de cem anos, tem um clube aí ensinando isso pra muita gente. Gente, não macacos!